O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sebastião Reis Júnior manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que determinou a transferência para Portugal de ação penal que apura suposto crime de homicídio cometido no Brasil por um advogado português contra uma mulher brasileira.
A decisão de não conhecimento do recurso especial do advogado – que pretendia que a ação penal permanecesse no Brasil, enquanto ele próprio está em Portugal – teve como fundamentos, entre outros pontos, a impossibilidade de avaliação do ordenamento jurídico português e a vedação de análise, pelo STJ, de questões constitucionais relacionadas ao Tratado de Extradição entre Brasil e Portugal (Decreto 1.325/94), utilizado pelo TJRJ para fundamentar sua decisão quanto à remessa.
O tratado prevê a possibilidade de transmissão da ação nos casos em que seja impossível a extradição, por ser o acusado cidadão de um dos dois países. Ao determinar a transferência do processo para o país europeu, o tribunal fluminense também destacou que a legislação portuguesa prevê, em sua Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, a transferência de ações penais estrangeiras, com a continuidade de seu trâmite em Portugal e a convalidação dos atos praticados no exterior.
O pedido de envio dos autos para Portugal foi apresentado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro após a sentença de pronúncia por suposto crime cometido pelo advogado em Saquarema (RJ), em 2009. Segundo o MP, a remessa dos autos tem o objetivo de evitar a impunidade do réu, que retornou ao seu país de origem após os fatos descritos na denúncia.
Modelos distintos
Após a decisão favorável ao envio dos autos a Portugal, a defesa do advogado apresentou recurso ao STJ em que alegava, entre outros pontos, que os modelos de julgamento pelo tribunal do júri são diferentes nos dois países, o que acarretaria a violação de garantias individuais previstas pela Constituição brasileira.
A defesa também alegou violação ao tratado entre Brasil e Portugal sobre a transferência de pessoas condenadas (Decreto 5.767/06), que prevê a possibilidade de transferência de réus condenados em casos específicos.
Análise inviável
Em relação às alegações de perda de garantias individuais em virtude das diferenças de modelos do júri no Brasil e em Portugal, o ministro Sebastião Reis Júnior destacou que a análise dos argumentos demandaria a avaliação do ordenamento jurídico português, além da análise da possibilidade de remessa dos autos à luz de princípios constitucionais, o que é inviável por meio de recurso especial.
No tocante à violação do tratado bilateral sobre transferência de pessoas condenadas, o ministro aplicou a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal por entender não terem sido impugnados adequadamente os fundamentos do acórdão do TJRJ.
“Ademais, é manifestamente improcedente o recurso nesse particular, na medida em que o instrumento referenciado é claro ao condicionar a aplicação do tratado a uma condenação transitada em julgado (artigo 3º), o que não se verifica na hipótese dos autos, já que o agravante nem sequer foi julgado”, concluiu o ministro ao não conhecer do recurso especial.
A denúncia
De acordo com a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro, a vítima brasileira manteve um relacionamento de 30 anos com um cidadão português. Ela administrava os negócios do companheiro, que morreu em 2000. Depois disso, a mulher, que não participava plenamente da herança, transferiu valores da conta bancária conjunta que tinha com ele para contas apenas em seu nome, e daí para contas de terceiros, entre eles o advogado acusado de homicídio. Ao todo, mais de 5 milhões de euros teriam sido depositados dessa forma na conta do advogado.
No entanto, a filha do falecido descobriu a fraude e iniciou um processo na Justiça portuguesa. O advogado, então, passou a pressionar a mulher para que assinasse uma declaração isentando-o de responsabilidade no caso e atestando que ele não estaria na posse de nenhum valor proveniente dela. A mulher negou-se a fornecer a declaração e viajou ao Brasil para resolver alguns problemas.
O advogado – que, segundo a acusação, dependia dela para não ser incriminado no processo em Portugal e ainda estava sujeito a ter de devolver o valor transferido para sua conta – veio atrás da mulher e marcou um encontro para o dia 6 de dezembro de 2009 na região de Saquarema, ocasião em que a teria matado a tiros.
Leia a decisão.