Advogado cego lembra experiência de fazer primeira sustentação oral no STJ
02/02/2019 06:55
 
 
12/04/2019 07:11

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Cláudio Panoeiro: “Eu nunca tinha feito sustentação oral.”
“Não era novo o fato de conversar diretamente com magistrado, mas era novo, sim, o fato da sustentação oral em si. Eu nunca tinha feito sustentação oral em um tribunal. Nunca tive dificuldade para falar em público, então falar em público não era o problema. O problema era fazer uma sustentação oral no STJ”, lembra o advogado da União Cláudio Panoeiro, primeiro advogado cego a sustentar no Superior Tribunal de Justiça.

Cláudio nasceu com retinose pigmentar, doença autoimune e degenerativa da retina. A doença começou a se manifestar quando ele tinha dois anos de idade, e aos 17 ele já precisava de bengala para suas atividades.

Estudou em escola convencional até os dez anos, no Rio de Janeiro, em seguida foi para o Instituto Benjamin Constant, onde aprendeu braille e ficou até o fim do ensino fundamental. Cursou o ensino médio no Colégio Pedro II e a graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Atualmente, faz doutorado na Universidade de Salamanca, na Espanha, por meio de programa de incentivo da Advocacia-Geral da União (AGU), onde trabalha desde 2005, lotado na Procuradoria Regional da União da 2ª Região, no Rio.

O grande dia

Em 14 de abril de 2010, havia bastante expectativa para a sustentação oral – oportunidade que o advogado tem de defender oralmente da tribuna, na própria sessão de julgamento, as razões de seu cliente. Estavam presentes a esposa de Cláudio, amigos da AGU, além de ex-professores.

Cláudio – que então tinha 37 anos – relata que aquela sustentação oral resultou da iniciativa de dois colegas da AGU, os quais fizeram a proposta como reconhecimento pelo seu trabalho no Departamento de Probidade e Patrimônio do órgão. Pouco antes, o Brasil havia aderido à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e à Convenção da ONU contra a Corrupção.

No dia, ele chegou bem cedo ao tribunal, almoçou e deu uma volta para se ambientar. “Fiquei bastante impressionado com o deslocamento dentro do tribunal. Sabia que o STJ era grande, mas não tinha noção de quanto era esse grande. Não era, na minha concepção, simplesmente grande, era enorme.”

O processo, julgado na Primeira Seção, teve como relatora a ministra Eliana Calmon. Era um mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado pela empresa São Paulo Alpargatas contra ato do presidente do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que impôs a aplicação de direitos antidumping provisórios sobre as importações de calçados chineses feitas pela impetrante.

Convicção e vitória

“Chegou a hora. Eu estava bastante apreensivo, porque não queria esquecer nada do que tinha estudado do processo.”

Cláudio falou logo após a advogada da outra parte e, apesar de reconhecer a qualidade e o poder de convencimento da sustentação que antecedeu a sua, ele se manteve firme em seu propósito.

“Na verdade, sempre foi assim. Sempre fui muito convicto das minhas opiniões, dos meus entendimentos. Se me preparava para uma coisa, eu não mudava pelas circunstâncias do momento, porque isso poderia gerar uma certa desorganização mental. Então, apesar da boa sustentação dela, eu não podia mudar uma vírgula do que tinha preparado. Não era momento para improviso.”

O advogado recorda que, no momento de falar, procurou ser pausado, seguro nas palavras e claro ao expor as ideias, apesar da complexidade que sua defesa exigia.

Após a leitura do voto do relator, houve pedido de vista do ministro Castro Meira, e o processo foi julgado em outra oportunidade, quando a AGU saiu vencedora por nove votos a um. Cláudio não estava presente nesse momento, pois não voltou mais ao STJ após a sustentação.

“Fiquei muito satisfeito, embora tenha exata consciência de que não foi a sustentação apenas que assegurou o resultado positivo, foi um trabalho de todo mundo.”

Avanços e desafios

Para ele, sua atuação no STJ ampliou o debate dentro da comunidade jurídica a respeito da inclusão de pessoas com deficiência, destacando-se as ações da AGU, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

“Após a sustentação, muitos órgãos passaram a dar maior importância à questão da acessibilidade”, diz o advogado. Ele conta, por exemplo, que foi criado um grupo de trabalho para tratar de acessibilidade na AGU, formado por representantes de diferentes estados, incumbidos de promover alterações na instituição com vistas a melhorar as condições das pessoas com deficiência.

Segundo Cláudio, tarefas como preparar petições e requerimentos, visitar órgãos públicos e entidades, despachar com autoridades, examinar documentos e pesquisar a legislação, a doutrina e a jurisprudência parecem simples para qualquer advogado, porém podem ser extremamente complexas para um profissional cego ou com baixa visão.

“Entre todas essas atividades, acredito que aquela que mais dificuldade oferece para o advogado cego ou com baixa visão é o exame de documentos. Com efeito, grande parte dos documentos apresentados aos advogados ainda estão materializados na forma de papel, meio que considero hostil às pessoas cegas ou com baixa visão, já que não permite a esses indivíduos conhecer o seu conteúdo diretamente, graças à limitação sensorial que apresentam.”

O advogado destaca a importância de investimentos em tecnologia para a melhoria da qualidade de vida e de trabalho de pessoas em condições semelhantes à sua. “A questão da deficiência passa, necessariamente, pelo grau de desenvolvimento da tecnologia”, afirma ele.

A série 30 anos, 30 histórias apresenta reportagens especiais sobre pessoas que, por diferentes razões, têm suas vidas entrelaçadas com a história de três décadas do Superior Tribunal de Justiça. Os textos são publicados nos fins de semana.