Modalidade de vendas que começou em 1995, o comércio eletrônico já é utilizado por 48 milhões de brasileiros, movimentando anualmente R$ 50 bilhões, segundo dados da Ebit, entidade que monitora as estatísticas do setor.
O crescimento é constante, registrando taxas superiores a 10% no comparativo com o ano anterior. O novo hábito do consumidor brasileiro gera mudanças na legislação e discussões no Poder Judiciário.
De acordo com o instituto de pesquisa Nielsen Ibope, o número de pessoas com acesso à internet no Brasil já passou da metade da população, atingindo aproximadamente 52% dos cidadãos, ou 103,4 milhões de pessoas em julho de 2015.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), principal lei aplicável às relações de consumo, data de 1990, época em que o comércio eletrônico era apenas uma hipótese no âmbito do desenvolvimento da internet.
Mesmo antes do Decreto 7.962/13 (que regulamentou dispositivos do CDC para adequá-lo à realidade do comércio eletrônico), as discussões sobre o serviço já eram objeto de debate no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Provedores de conteúdo
Uma das discussões frequentes diz respeito à responsabilidade dos provedores de conteúdo quanto aos produtos anunciados em suas páginas. No mesmo ano da edição do decreto, a Terceira Turma do STJ estabeleceu precedente no sentido de que os sites que hospedam anúncios de produtos são meros intermediários do comércio, sendo inviável impor-lhes a atividade de fiscalização prévia do conteúdo anunciado (REsp 1.383.354).
No recurso, os ministros julgaram improcedente a tese da empresa recorrente de que a intermediação de seus produtos para comércio on-line, sem prévia autorização, caracterizava violação de propriedade industrial. No caso, a recorrente alegou que o anúncio indiscriminado de produtos falsos copiando sua marca seria de responsabilidade da provedora de conteúdo, que não filtrou o que foi anunciado.
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou que o serviço oferecido pelos sites de intermediação de vendas é aproximar compradores e vendedores em um mesmo ambiente virtual.
“Nesse contexto, não se lhes pode impor a responsabilidade de realizar a prévia fiscalização sobre a origem de todos os produtos cuja venda intermedeiam, por não se tratar de atividade intrínseca ao serviço prestado. Vale dizer, sites como os mantidos pelas recorridas em momento algum garantem a qualidade ou a procedência dos produtos, limitando-se a estabelecer mecanismos para que o próprio comprador, sentindo-se de alguma forma insatisfeito ou ludibriado pelo vendedor, não conclua a negociação”, fundamentou a magistrada.
Espaços alugados
Para a turma, aplica-se ao meio virtual a mesma hipótese aplicável aos shopping centers, que não podem ser responsabilizados pelos produtos vendidos por outras empresas em lojas que alugam seus espaços. Da mesma forma, segundo o colegiado, os provedores de conteúdo virtual “locam” espaço em sites para o desenvolvimento do comércio eletrônico.
Em outro caso, o ministro Raul Araújo, da Quarta Turma, restabeleceu a sentença para eximir de responsabilidade um site provedor de serviços, por entender que não houve comprovação de sua efetiva participação no negócio de compra e venda, afastando assim sua obrigação de arcar com eventual indenização por falhas no produto.
Para o ministro, somente o envolvimento direto do provedor de serviços com a venda poderia justificar a sua responsabilização (AREsp 144.823).
Ao julgar o REsp 1.444.008, a Terceira Turma distinguiu a atuação dos diferentes provedores de serviço na internet. Um primeiro grupo, segundo o colegiado, atua em todo o processo de venda, realizando a transação dentro de seu site. Outro grupo apenas exibe os resultados da busca, e o comprador conclui a transação diretamente no site do vendedor.
A diferenciação é relevante, segundo a ministra relatora, Nancy Andrighi, devido ao conceito de fornecedor, conforme disposto no artigo 3º do CDC. Mesmo com a ampliação do conceito, não é admitido considerar o provedor de serviços de internet que apenas exibe resultados de busca como um fornecedor.
“Ao se abster de participar da interação que levará à formação do contrato eletrônico entre o consumidor e o vendedor do produto propriamente dito, não há como lhe imputar responsabilidade por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual”, afirmou a ministra.
Nesses casos, segundo ela, o provedor não detém “qualquer posição de poder ou influência sobre o consumidor no momento do aperfeiçoamento do contrato eletrônico”.
Sites de busca e agregadores
Já em 2012, o tribunal decidiu que os serviços de busca na internet estão sujeitos ao CDC, mesmo quando são gratuitos. Na mesma ocasião, os ministros entenderam que os provedores de busca não podem ser responsabilizados pelo conteúdo postado por terceiros, apenas por exibir os sites na página de busca.
“Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa”, afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi.
Segundo ela, se as páginas possuem conteúdo ilícito, “cabe ao ofendido adotar medidas tendentes à sua própria supressão, com o que estarão, automaticamente, excluídas dos resultados de busca virtual dos sites de pesquisa” (REsp 1.316.921).
Tipos diferentes
A distinção entre os tipos de provedores de serviços na internet é necessária também para delimitar a responsabilidade em diferentes casos. Ao julgar o REsp 997.993, em 2012, a Quarta Turma lembrou que à míngua de legislação, a doutrina construiu entendimento acerca da responsabilidade aplicável em cada caso.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, argumentou que a responsabilidade é definida de acordo com a atividade desenvolvida por cada provedor, sendo necessário separar provedores de serviços de provedores de conteúdo, por exemplo.
“Em suma, a responsabilidade dos provedores de internet em razão do conteúdo veiculado prender-se-ia à possibilidade de controle, de modo que quanto maior for a faculdade do servidor de decidir sobre o que será publicado, mais evidente será a responsabilidade decorrente dessa decisão”, disse ele.
A configuração de relação de consumo permite a aplicação do princípio de solidariedade de todos os integrantes da cadeia de produção. Na análise daquele recurso, entendeu-se que o portal que hospeda um site pode ser responsabilizado por anúncios falsos veiculados nesse site, por exemplo.
“O caso em exame comporta uma relação de consumo por equiparação, decorrente de evento relativo à utilização de provedores de conteúdo na rede mundial de computadores, organizados para fornecer serviços em cadeia para os usuários, mediante a hospedagem do site”, concluiu o relator.
Compras não entregues
Uma das falhas de serviço que podem ocorrer no comércio eletrônico – a não entrega do produto comprado – já foi discutida no STJ, no que diz respeito à responsabilidade e também à ocorrência de dano moral. O entendimento da Terceira Turma é que a falha na entrega da mercadoria adquirida pela internet configura, em princípio, “mero inadimplemento contratual, não dando causa a indenização por danos morais” (REsp 1.399.931).
Assim como nos casos de compra fora do ambiente on-line (comércio varejista tradicional), o dano moral só é configurado quando houver verdadeira ofensa a direito de personalidade.
Nos casos de compras on-line, a responsabilização civil é aplicável de acordo com o CDC, nos termos do artigo 14. A responsabilidade solidária entre os integrantes da cadeia é aplicável quando se comprova que o site tem participação efetiva em todo o processo de venda e entrega dos produtos.
Em um dos processos analisados pelo STJ, os ministros entenderam que a empresa responsável pelos pagamentos (um serviço feito através de um provedor de serviços na internet) integra essa cadeia de serviços e pode ser responsabilizada em caso de não entrega do produto (AREsp 766.570).
ICMS
O comércio on-line introduziu desafios também para o fisco, especialmente pelas diferenças de tributação de ICMS. Dois questionamentos chegaram ao STJ em 2011 contra interpretações do fisco estadual sobre a cobrança da alíquota integral de ICMS no momento em que a mercadoria vendida on-line por empresa situada em outro estado entra no estado de destino final.
Não há precedente no STJ acerca da controvérsia. Em ambos os casos, a decisão do tribunal de origem, tomada com base em fundamentos constitucionais, foi questionada no STJ por meio de pedidos de suspensão de segurança, o que inviabilizou sua análise, já que a competência seria do Supremo Tribunal Federal (SS 2.450 e SS 2.482).