Continuidade delitiva reduz pena de empresário condenado por falsificar publicação de editais
21/02/2019 09:13
 
 
12/04/2019 07:15

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A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para reconhecer a continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal) entre crimes de falsificação de documento particular, reduzindo de 17 anos para dois anos e oito meses de reclusão a pena imposta ao dono do jornal O Povo, da região de Mangaratiba, no Rio de Janeiro.

Ele foi condenado por ter publicado, a pedido de agentes políticos ligados à prefeitura de Mangaratiba, falsas edições do jornal, com datas retroativas, as quais nunca circularam publicamente, e que traziam editais de licitações já realizadas. Devido à falta de publicidade, o resultado das licitações era dirigido conforme o interesse do grupo político.

Preso em abril de 2018, o proprietário do jornal foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) com base em concurso material (artigo 69 do CP), somando penas de um ano para cada caso de falsificação de documento particular, além de um ano por associação criminosa.

O tribunal estadual rejeitou a tese de continuidade delitiva por entender que seria um caso de “criminalidade profissional, a partir de uma quadrilha bem organizada e com métodos sofisticados”.

Documentos em bloco

No STJ, entretanto, o ministro Rogerio Schietti Cruz – relator do habeas corpus impetrado pela defesa – observou que o empresário só foi procurado para produzir os jornais falsos depois que as fraudes aos procedimentos licitatórios já haviam sido realizadas.

Citando informações do próprio acórdão condenatório do TJRJ, o ministro afirmou que “não houve prática sistemática de crimes, mas planejamento inicial que culminou na realização encadeada de inúmeras falsificações”. Ele assinalou que não é necessário o reexame de provas do processo para reconhecer que o dono do jornal não praticou sistematicamente as falsificações de documentos, já que tal conclusão pode ser tirada da simples leitura do acórdão.

“O aresto estadual narra planejamento inicial único para a realização encadeada de inúmeras publicações de jornais falsos, pois, a teor das provas transcritas pelo tribunal, o réu foi procurado para produzir documentos em bloco, que conferissem aspecto de legalidade às licitações que já haviam sido fraudadas em data anterior”, disse.

Schietti afirmou que as considerações sobre a habitualidade criminosa não se aplicam ao agente se não há indicação segura de que as falsificações foram praticadas em mais de uma oportunidade, por mais de um ano.

Para conciliar a conclusão sobre a habitualidade criminosa com o princípio da presunção de inocência, acrescentou, seria preciso haver indicação de parâmetro mais seguro que demonstrasse a assídua prática de falsidades – o que, na avaliação do ministro, não foi feito pela Justiça fluminense.

Benignidade

O ministro lembrou que, no reconhecimento da continuidade delitiva, tanto a jurisprudência do STJ quanto a do Supremo Tribunal Federal adotam a teoria objetiva-subjetiva, por considerá-la mais adequada à interpretação do artigo 71 do Código Penal. Segundo o relator, busca-se evitar a aplicação de penas exacerbadas quando não forem necessárias para a justa reprovação e prevenção de infrações penais.

“A ficção jurídica foi inspirada pelo critério da benignidade. Sua criação tem como objetivo, por questões de política criminal, mitigar o rigor excessivo das penas cumuláveis a comportamentos delituosos praticados em desdobramento, desde que, favorecidos os requisitos do artigo 71 do CP, sejam todos havidos como sucessão da inaugural ação/omissão do agente.”

O reconhecimento da continuidade delitiva, de acordo com o ministro, exige a presença de um elemento subjetivo a unir os crimes, uma espécie de propósito inicial que culmina na realização encadeada e repetida de condutas homogêneas, de forma a conferir o tratamento benevolente apenas aos violadores não contumazes da norma penal.