A vulnerabilidade do consumidor é potencializada no mercado imobiliário, “quer pela assimetria de informações, quer pela maior exposição decorrente do natural desejo de realizar o projeto da moradia própria”. A avaliação é do desembargador Werson Rêgo, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, um dos coordenadores científicos do seminário A Incorporação Imobiliária na Perspectiva do STJ – Proteção do Consumidor, que será realizado no próximo dia 25 no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
Segundo Werson Rêgo, a ideia dos organizadores desta nova edição do seminário sobre incorporação imobiliária (a primeira aconteceu em junho do ano passado) foi justamente abrir espaço para “as ponderações e críticas dos destinatários finais do produto imobiliário”. Assim, disse ele, “o Poder Judiciário contribui ativamente para o estabelecimento do equilíbrio e da harmonia no relacionamento entre incorporadores e consumidores”.
O magistrado afirmou que o primeiro seminário procurou identificar os principais problemas que afligiam o mercado imobiliário. Agora, o foco é nas questões trazidas pelos consumidores. Werson Rêgo defendeu um diálogo permanente entre empresas e consumidores para garantir bons resultados para os dois lados e evitar o ajuizamento de ações.
O seminário é uma realização do STJ em parceria com o Instituto Justiça & Cidadania, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e o Senai Nacional. Veja a programação. A participação do público é gratuita e deverá ser confirmada, para fins de certificação, por meio de inscrição, que pode ser feita aqui.
Nesta entrevista, Werson Rêgo – que divide a coordenação científica do seminário com o ministro do STJ Luis Felipe Salomão – destacou alguns pontos que serão discutidos durante o encontro.
Em 2017, o seminário abordou temas como distratos e soluções extrajudiciais no setor imobiliário. Quais as principais lições retiradas daquela primeira experiência de diálogo entre o setor jurídico, representantes dos consumidores e das empresas imobiliárias?
Werson Rêgo – O retorno tem sido bastante positivo, notadamente no que diz respeito à segurança jurídica e à redução de novas demandas. Evidentemente, é impossível agradar a todos e sempre haverá críticas. O importante é manter-se aberto ao diálogo, ouvir as ponderações de todos os setores, conhecer suas particularidades e, de igual modo, fazer-se ouvir. A primeira grande lição que fica é o amadurecimento das instituições, dos fornecedores e dos consumidores. A boa-fé deve ser via de mão dupla, e os pronunciamentos judiciais devem, sempre, priorizar o melhor resultado para a coletividade dos consumidores. Através do diálogo permanente, consegue-se identificar os problemas que afligem consumidores e incorporadores, a partir do que são buscadas as soluções possíveis, visando ao melhor resultado possível para todos.
A segunda edição do seminário escolheu a proteção do consumidor como tema central. Como ocorreu a seleção desse enfoque?
Werson Rêgo – A construção civil e o mercado imobiliário cumprem relevante função sócio-econômica. São uns dos primeiros a sentir os impactos das crises econômicas e estão entre os últimos a se recuperar. O primeiro evento procurou discutir os principais problemas que afligiam o mercado imobiliário. Neste, abre-se espaço para as ponderações e críticas dos consumidores, enquanto destinatários finais do produto imobiliário. Assim agindo, o Poder Judiciário contribui ativamente para o estabelecimento do equilíbrio e da harmonia no relacionamento entre incorporadores e consumidores.
Não são raras as situações em que o consumidor, em virtude de problemas na compra do imóvel, sem obter resposta satisfatória da construtora, recorre ao Judiciário. Como poderia ser reduzida a litigiosidade nesse setor?
Werson Rêgo – O mercado imobiliário é bastante complexo e sensível. A vulnerabilidade do consumidor é potencializada quer pela assimetria de informações, quer pela maior exposição decorrente do natural desejo de realizar o projeto da moradia própria. Cientes disso, o primeiro cuidado que devemos ter é com a qualidade das informações transmitidas aos consumidores. A prestação de informações adequadas, claras, precisas e suficientes é, sem dúvida alguma, a melhor estratégia do mercado para minimizar conflitos. Esse ônus é do incorporador, que dele deve bem se desincumbir. Iguais cautelas devem ser adotadas ao se analisar a capacidade financeira do eventual adquirente. Minimizam-se os riscos de inadimplência. Além disso, cumprir prazos e bem atender ao consumidor são práticas que garantem o sucesso de qualquer incorporação. Evidentemente, o descumprimento do contrato por qualquer uma das partes dá ensejo ao ajuizamento de ações.
Qual o papel dos meios alternativos de resolução de conflitos no mercado imobiliário?
Werson Rêgo – Sem embargo, o ajuizamento de ações é o canal mais custoso e demorado e, por isso, deveria ser a via última. Os canais de conciliação e de mediação extrajudicial assumem, dessa forma, posição de relevo, visto que, além de reduzirem as assimetrias entre as partes, são menos custosos, mais céleres e permitem encontrar soluções particularizadas, conforme as peculiaridades de cada caso concreto.
O STJ vem formando jurisprudência em temas relevantes para o setor imobiliário, como a necessidade de comprovação do dano moral efetivo para caracterização do direito ao ressarcimento. Quais são os principais temas ainda em discussão no Judiciário?
Werson Rêgo – Vários temas importantes relacionados ao mercado imobiliário já foram pacificados pelo Superior Tribunal de Justiça, como a validade da cláusula de tolerância, o repasse ao adquirente do pagamento da comissão de corretagem nas incorporações imobiliárias, a abusividade da cobrança pelos serviços de assessoria técnico-imobiliária... Ainda serão apreciadas, por exemplo, a distinção entre consumidor e investidor, a possibilidade de imposição de sanção ao fornecedor por simetria, a possibilidade de repasse ao adquirente do pagamento da comissão de corretagem nas incorporações imobiliárias do Programa Minha Casa, Minha Vida...
O Judiciário cumpre um papel satisfatório no contexto dessas discussões?
Werson Rêgo – O Poder Judiciário, notadamente o STJ, vem se mostrando especialmente atento ao princípio da segurança jurídica e aos impactos de suas decisões nos diversos mercados. Age, dessa forma, não apenas como um solucionador de conflitos – coibindo e reprimindo os abusos praticados nos mercados –, senão, também, como um pacificador. Há que se dar concretude a um dos princípios mais caros à legislação consumerista, contido no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, que visa ao estabelecimento do equilíbrio e da harmonia nas relações de consumo. Para tanto, há que se reconhecer o direito de quem o detenha, seja consumidor, seja fornecedor. Missão árdua, da qual o Tribunal da Cidadania vem se desincumbindo com grande êxito.