Além dessa questão sobre usuário e traficante, quais as controvérsias mais frequentes que chegam ao STJ?
Rogerio Schietti – A questão da prisão e do regime de pena. Ainda existe a ideia de que, para traficante, só é possível o regime fechado, mas não é bem assim. Aos pequenos traficantes seria recomendado evitar o regime fechado, para evitar o convívio carcerário. Quando a pena é inferior a quatro anos, pode-se fixar de forma diferente. Em relação à prisão provisória, nós observamos que muitos juízes não analisam a suficiência de outras medidas diferentes da prisão, como a proibição de frequentar determinados lugares ou de ter contato com certas pessoas. Após a reforma do Código de Processo Penal, em 2011, é exigido do juiz que analise outras medidas, alternativas à prisão cautelar. Isso é mais dramático no universo feminino, que é outro tema do seminário. Atualmente, 70% das prisões de mulheres decorrem do tráfico. Em estados como o Rio Grande do Sul e Roraima, o índice chega a 89%, ou seja, de cada dez mulheres presas, nove são por tráfico. É algo assustador – uma questão de gênero importante, porque as mulheres estão sendo punidas de maneira diferente do homem. Convidamos especialistas em questões de gênero para enfrentar esse debate.
A Lei de Drogas é utilizada em casos que envolvem suplementos, remédios... Isso está adequado?
Rogerio Schietti – Essa é uma questão que deveria ter sido resolvida há muito tempo. Em 1996, o Congresso alterou o artigo 273 do Código Penal, após escândalos envolvendo a falsificação de remédios. Corrigiram o problema e criaram outros. Desde então, para qualquer conduta do artigo 273, a pena mínima é de dez anos de reclusão, mesmo que se trate da adulteração de um xampu anticaspa ou de um batom, ou então da importação de um remédio fitoterápico sem registro na Anvisa. A pena é absolutamente desproporcional, maior até do que a de homicídio, que é de seis anos. Depois de muito tempo nossa Corte Especial julgou a inconstitucionalidade desse dispositivo, em razão da desproporcionalidade da pena. Tribunais têm desclassificado a conduta para outro artigo, geralmente para tráfico de entorpecente, ou para contrabando. É preciso reformar para separar o joio do trigo.
Qual sua avaliação desses dez anos de aplicação da Lei de Drogas?
Rogerio Schietti – A lei foi um avanço em relação à legislação anterior. Para o usuário, a Lei 11.343/2006 deu um tratamento menos rigoroso, pois o define como alguém que necessita de tratamento, e não de prisão. Avançou também ao aumentar a pena mínima do tráfico, de três para cinco anos, mas compensando o rigor para permitir a distinção do traficante habitual e do pequeno traficante. Com o tempo, porém, surgiram novos fenômenos, como o crescimento das cracolândias nos centros urbanos. O comércio fácil e barato do crack é uma nova realidade, que destrói pessoas e famílias de maneira muito mais rápida. Boa parte dos novos usuários se envolveu com o crack. É claro que a lei precisa ser aperfeiçoada, e o ponto ótimo do seminário será ouvir profissionais de outras áreas, colher subsídios para eventuais mudanças na legislação e também na postura dos operadores do direito.