Decisões do STJ reforçam respeito à lei e combate à violência contra mulher
07/08/2016 08:01
 
 
12/04/2019 03:38

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Dez anos após a publicação da Lei Maria da Penha (11.340/06), a violência contra mulheres no Brasil ainda apresenta números expressivos. De acordo com o Mapa da Violência 2015, publicado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flasco), foram registrados 34.535 homicídios de pessoas do sexo feminino no País entre 2006 e 2013 — uma média de 4,4 óbitos para cada grupo de 100 mil mulheres.

Dados do Senado Federal também estimam que mais de 13 milhões de mulheres já tenham sofrido algum tipo de agressão no País. O número representa 19% da população feminina com mais de 16 anos de idade. Desse total, 31% ainda convivem com o agressor.

Contra esse quadro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem atuado no sentido de garantir às mulheres a proteção jurídica e legal prevista em legislações como a Lei Maria da Penha, que completa sua primeira década neste dia 7 de agosto.

Julgamentos da corte trazem definições especialmente sobre os tipos de medidas adotadas em casos de violência dessa natureza, a forma de processamento das ações judiciais e as situações amparadas pela legislação especial.

Medidas

Em outra pesquisa recente, de 2015, o Poder Legislativo federal apontou que praticamente metade das brasileiras vítimas de violência doméstica (49%) teve como agressor o próprio marido ou o companheiro. Outras 21% apontaram agressões de ex-namorados, ex-maridos e ex-companheiros.

Devido à proximidade e à intimidade existente entre agressores e vítimas, o STJ garante a validade da adoção de medidas protetivas em favor das mulheres submetidas a situações de violência, como a proibição de aproximação, e, especialmente nos casos de descumprimento das medidas, a possibilidade de decretação de prisão preventiva.

Em uma dessas situações, a Justiça do Rio Grande do Sul decretou a prisão preventiva de homem pelo descumprimento reiterado da proibição de aproximação após episódio de violência doméstica.

Na decisão, o juiz ressaltou que “o réu mantém o assédio à vítima, apesar da existência de proibição de aproximação. No presente caso, a determinação de medida protetiva de afastamento não parece ser suficiente para que a vítima consiga estar em casa com tranquilidade”.

No recurso em habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa do preso alegou falta de fundamentação do decreto prisional, pois a decisão não estaria apoiada em dados concretos que justificassem a medida. 

O ministro relator do recurso, Sebastião Reis Júnior, ressaltou a referência expressa da Justiça estadual em relação ao descumprimento das medidas protetivas impostas, além da indicação da real possibilidade de reiteração do delito, uma vez que o denunciado possuía vários procedimentos ligados à violência doméstica.

“Ora, se o recorrente continuou assediando a vítima mesmo após a existência de proibição de aproximação e, além disso, a certidão de antecedentes do paciente registra a presença de vários procedimentos criminais ligados à violência doméstica [...], essas circunstâncias demonstram o efetivo risco que a vítima corre e a inviabilidade de aplicação das medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal”, explicou o relator ao rejeitar o acolhimento do recurso.

Retratação

Uma série de julgamentos do tribunal já apontou que os crimes de lesão corporal no âmbito das relações domésticas, ainda que leves ou praticados de forma culposa, serão sempre processados por meio de ação penal pública incondicionada, ou seja, independem da manifestação da pessoa ofendida.

O tema foi discutido em análise de recurso especial no qual a defesa de denunciado, que teria agredido a esposa com um tapa norosto, alegou que a vítima realizou retratação pelo suposto crime, ou seja, afirmou que ela não teria mais interesse no prosseguimento da ação penal.

Como a retratação ocorreu antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisou o tema em 2012, a defesa apontou que a manifestação da vítima acarretou a ausência de requisito essencial à ação penal pública condicionada, o que impediria o prosseguimento do processo.

O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti, lembrou que o plenário do STF afastou a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, reconhecendo a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340. Dessa forma, apontou o ministro, os crimes dessa natureza devem ser processados por meio de ação penal pública incondicionada.

“Conclui-se, portanto, que eventual retratação feita por parte em nada influenciará no processamento do feito. De igual modo, não há mais a necessidade de realização de audiência específica para oportunizar a renúncia de eventual representação feita pela vítima”, esclareceu o ministro.

Namoradas

O STJ também já teve a oportunidade de analisar situações de conflito que envolviam a aplicação da Lei Maria da Penha em episódios de violência contra namoradas ou ex-namoradas. Em um dos casos, um jovem foi denunciado pelo Ministério Público por ter agredido a ex-namorada com socos e chutes quando ela saía do colégio em que estudava.

No pedido de habeas corpus, a defesa do jovem alegou que o caso não deveria ser julgado à luz da Lei 11.340, pois o fato ocorreu entre ex-namorados, adolescentes, que não residiam na mesma casa.

Nesse sentido, segundo a defesa, a legislação especial deveria ser aplicada apenas “onde há uma mulher subjugada por um homem, dentro de um lar, ou em função de uma relação afetiva que terminou, pautando-se apenas na hipótese da violência no âmbito doméstico, que implica dependência financeira e psicológica da mulher em relação ao homem”.

O relator do caso na Quinta Turma, ministro aposentado Gilson Dipp, destacou o entendimento jurisprudencial do STJ no sentido da configuração da violência doméstica contra a mulher nos casos de agressão cometida por ex-namorados, permitindo a aplicação da Lei 11.340.

“Esta orientação decorre do raciocínio de que, nestas circunstâncias, há o pressuposto de uma relação íntima de afeto a ser protegida, por ocasião do anterior convívio do agressor com a vítima, ainda que não tenham coabitado”, sublinhou o ministro ao negar o pedido de habeas corpus.

Sobre a lei

A Lei 11.340/06 faz homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica-bioquímica que sofreu violência doméstica durante 23 anos.

Em 1983, em duas ocasiões, seu marido tentou assassiná-la. Na primeira vez, ele realizou disparo com arma de fogo que deixou Maria da Penha paraplégica. Na segunda, ele tentou matá-la por eletrocussão e afogamento.

Após essa última tentativa de homicídio, a farmacêutica tomou coragem e formalizou denúncia. Mesmo assim, o então marido de Maria da Penha só foi punido após 19 anos.

De acordo com dados de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Lei Maria da Penha já contribuiu para uma diminuição de cerca de 10% na taxa de homicídios contra mulheres praticados no interior das residências das vítimas.

RL