Os últimos painéis do seminário Acesso à Justiça: o Custo do Litígio no Brasil e o Uso Predatório do Sistema Justiça discutiram a otimização do sistema, trouxeram reflexões sobre a judicialização da saúde e apresentaram alternativas para o aprimoramento do Judiciário brasileiro. Ao final, o evento foi marcado pelo anúncio da criação de um observatório de precedentes judiciais, uma das soluções propostas para o enfrentamento do uso predatório da Justiça.
A administração do observatório ficará a cargo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), uma das organizadoras do seminário, ao lado do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O quarto painel do seminário teve como tema “Otimização do sistema de Justiça: juizados especiais, Defensorias Públicas e meios adequados de solução de conflitos”. O ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas presidiu o painel, que contou com quatro exposições.
Ao falar sobre o tema, o juiz Fernando da Fonseca Gajardoni, do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmou que o acesso à Justiça não poderia ser confundido com acesso ao Judiciário. Para ele, o acesso à Justiça “é conseguir acessar o advogado, a Defensoria, o Ministério Público, ou qualquer outro órgão que possa solucionar o conflito, como o Procon”.
De acordo com o magistrado, o grande desafio é “racionalizar o acesso ao Judiciário sem abrir mão de nenhuma garantia constitucional e sem abrir mão do acesso ao sistema Justiça”. Gajardoni sugeriu a otimização por meio da propositura de novas leis, de investimentos em conciliação e mediação e, ainda, de núcleos de inteligência capazes de antecipar problemas.
Acordos e diálogo
Em sua exposição, o advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Márcio Vieira Souto Costa Ferreira destacou a importância de aumentar a responsabilidade dos litigantes no processo, além da necessidade de estimular acordos extrajudiciais e o diálogo constante entre as partes.
O advogado e professor da Universidade Federal de Mato Grosso Welder Queiroz dos Santos traçou um panorama histórico sobre os juizados especiais, sua origem, o custo do litígio e o uso predatório dessas estruturas.
Segundo Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa, defensor público-geral do Amazonas, a defensoria é um parceiro do Judiciário e da sociedade, “um verdadeiro desanuviador de processos, principalmente no que toca à população mais carente”.
De acordo com ele, a atuação da Defensoria sai de um prisma “dativo público para um sistema jurídico sociológico”, no qual o defensor busca conhecimento em outras áreas, como a psicologia, a antropologia e, principalmente, o serviço social – buscando ainda profissionais dessas áreas para compor seu corpo para uma atuação estratégica, em um plano muito mais coletivo do que individual.
Judicialização da saúde
No último painel do seminário, presidido pelo conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Henrique Ávila, o foco do debate foi a judicialização da saúde no Brasil.
Para a desembargadora Christine Santini, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Judiciário é visto pelo cidadão como única via para garantir seus direitos. Segundo ela, a Justiça pode assumir um papel de liderança na conscientização do poder público e das grandes companhias de plano de saúde para reequilibrar a relação que envolve o cidadão e o direito à saúde. A desembargadora ressaltou que essa cooperação pode trazer bons resultados, inclusive no controle de fraudes.
“O Judiciário pode funcionar como meio de conscientização social. Precisamos do aparelhamento do Poder Judiciário para lidar com ações coletivas ou individuais repetitivas de forma diferenciada, com ênfase no papel da mediação”, frisou.
A professora Juliana Loss destacou o alto custo da judicialização da saúde e a concentração de demandas em um número pequeno de atores. Para ela, a falta de informação qualificada pode prejudicar o trabalho do juiz, e o uso da inteligência artificial poderia suprir essa lacuna.
Segundo a pesquisadora, o reconhecimento da competência do Judiciário dentro da solução de conflitos influencia positivamente as políticas públicas da área de saúde. “Talvez, se tivermos mais políticas de solução adequadas de conflitos, nós tenhamos cada vez menos que realizar a política pública de saúde dentro do próprio Judiciário”, ressaltou.
O professor da Universidade de São Paulo Paulo Henrique dos Santos Lucon falou sobre os custos dos processos judiciais, o congestionamento do Judiciário, a duração dos processos, e os caminhos que a Justiça deve buscar para atingir a celeridade com segurança jurídica.
Segundo Lucon, o trabalho extrajudicial pode ajudar a Justiça, principalmente na desjudicialização da saúde. “A judicialização da saúde é um problema tormentoso, e o CNJ tem feito um trabalho espetacular. É importante fazer com que as coisas funcionem antes de eclodir. Se eclodir, temos de valorizar os processos coletivos”, disse.
Observatório
O painel de encerramento do seminário contou com a participação de dois dos coordenadores científicos do evento, o ministro do STJ Villas Bôas Cueva e o advogado Henrique Ávila, conselheiro do CNJ, além dos advogados e professores Georges Abboud e Sergio Bermudes.
Georges Abboud abriu o painel com a apresentação de caminhos para a melhoria da “situação de quase colapso” do sistema judiciário brasileiro. A primeira reflexão apresentada por ele diz respeito à possibilidade de delimitação de matérias ou assuntos que não deveriam ser analisados pelo Judiciário.
Para Abboud, a demarcação dos limites da atuação judicial não representaria um obstáculo a um Judiciário democrático, mas sim uma forma de evitar a “atuação insidiosa” do Poder Judiciário em outras esferas institucionais.
A outra alternativa apontada por Georges Abboud tem relação com a “proceduralização”, um mecanismo para enfrentamento de problemas complexos pelo Judiciário que não signifiquem necessariamente a concretização da coisa julgada e da resolução de mérito. Segundo o advogado, a procedularização foi aplicada pelo Supremo Tribunal Federal ao homologar o recente acordo entre poupadores e instituições financeiras para colocar fim às demandas relacionadas aos expurgos inflacionários.
Último palestrante do dia, o professor Sergio Bermudes lembrou que, muitas vezes, o advogado é compelido a insistir no processo e nos instrumentos recursais, inclusive por pressão dos próprios clientes. Bermudes também lembrou a necessidade de reconhecer a Justiça como serviço público e, dessa forma, garantir-lhe recursos necessários para o seu funcionamento e aprimoramento.
Ao final do evento, o ministro Villas Bôas Cueva anunciou a criação de um observatório de precedentes judiciais, a ser administrado pela FGV. O observatório servirá para monitorar, analisar e estudar os precedentes, “talvez a grande alavanca de transformação da Justiça”, segundo o ministro Villas Bôas Cueva.
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