Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenha recebido mais de 325 mil processos em 2016, o ano foi marcado por acontecimentos relevantes que vão contribuir para a redução do excessivo número de recursos que chegam ao tribunal e, consequentemente, para viabilizar o melhor cumprimento de sua missão institucional – a de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional.
A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC) e a aprovação, em primeiro turno, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 209/12 representam um avanço em termos de racionalização da via recursal para a instância superior.
Isso porque o novo código dá especial importância aos precedentes jurisprudenciais, e a chamada PEC da Relevância da Questão Federal cria um filtro para admissão de recursos especiais, evitando que o tribunal fique congestionado por causas de menor relevância jurídica.
Produtividade
Com a posse da ministra Laurita Vaz na presidência do STJ, em setembro deste ano, além dos esforços no sentido de sensibilizar o Congresso Nacional quanto à necessidade urgente da aprovação da PEC da Relevância, diversas medidas administrativas foram tomadas com o objetivo de aumentar a produtividade na análise de processos e contribuir para a redução do acervo.
O Núcleo de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos (Nurer) foi reestruturado e passou a se chamar Núcleo de Análise de Recursos Repetitivos (Narer) – responsável por analisar a admissibilidade dos recursos e evitar que aqueles que contenham vícios processuais sejam distribuídos.
Força-tarefa
Além disso, por determinação do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), por meio da Resolução 235/16, foi criado o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugep), que trabalhará em conjunto com a Comissão Temporária Gestora de Precedentes para dar mais celeridade aos procedimentos que envolvem os recursos repetitivos.
Criada em novembro deste ano e integrada por ministros das três seções especializadas do STJ, a comissão desenvolverá um trabalho de inteligência junto aos tribunais de todo país, a fim de identificar demandas repetitivas, questões relevantes de direito, além de casos de grande repercussão geral aptos a serem julgados sob a sistemática dos recursos repetitivos.
E para fechar o ano com o mesmo espírito, a presidente criou uma força-tarefa que contribuirá para acelerar a redução do número de processos que tramitam no STJ atualmente – mais de 370 mil. Um grupo formado por assessores da presidência vai auxiliar os gabinetes ao longo dos dois anos de mandato da ministra Laurita Vaz. O trabalho começou recentemente nos gabinetes dos ministros Raul Araújo e Gurgel de Faria e, para eles, já apresentou resultados relevantes.
Innovare
Como recompensa por um ano de tantos esforços conjuntos, o STJ foi o vencedor do Prêmio Innovare 2016, na categoria Tribunal, com o projeto “Triagem Parametrizada com Automação de Minutas”.
Com a implementação do projeto, em 2015, 99.504 processos deixaram de ser distribuídos aos gabinetes – 30% do total recebido naquele ano. O percentual se manteve e, entre janeiro e setembro de 2016, 79.971 processos também deixaram de ser distribuídos aos ministros.
De acordo com a ministra Laurita Vaz, a iniciativa permitiu que o STJ alcançasse, pela primeira vez, em 2015, a meta de redução de acervo de processos fixada pelo CNJ, com o julgamento de 25.908 feitos a mais do que os recebidos pelo tribunal (332.905) naquele ano.
Emenda 24
Em 2016, o Regimento Interno do STJ passou por uma importante reforma para abarcar as inovações processuais advindas do novo CPC. Todas as fases do repetitivo foram regulamentadas, desde a indicação do recurso especial representativo de controvérsia pelos tribunais de origem, e também pelo próprio STJ, até a revisão de tese.
A Emenda Regimental 24/16 confere novas atribuições à presidência do STJ quanto à admissibilidade do recurso especial. Além disso, os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais ganharam papel importante que ampliará a identificação de matéria repetitiva e o envio de recursos representativos de controvérsia ao STJ.
Audiências
O STJ tem se tornado, cada vez mais, um espaço para dialogar com a sociedade sobre as questões controvertidas presentes nos julgamentos dos colegiados que compõem a corte. Em 2016, foram realizadas duas audiências públicas, com a presença de representantes de órgãos públicos e entidades privadas, especialistas e outros interessados.
Em fevereiro de 2016, por iniciativa da ministra Isabel Gallotti, a Corte Especial realizou audiência para discutir o conceito jurídico de capitalização de juros em contratos de mútuo habitacional.
Em maio, o STJ realizou a segunda audiência, sobre a cobrança de taxas dos compradores de imóveis na planta. Os ministros da Segunda Seção, empresários e consumidores debateram a respeito da responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem e da taxa de serviço de assessoria técnico-imobiliária (Sati) – se da incorporadora ou do consumidor. O relator do processo que trata do tema (REsp 1.551.951) é o ministro Sanseverino.
No julgamento do recurso especial submetido ao rito dos repetitivos, a Segunda Seção firmou a tese de que a incorporadora tem legitimidade passiva, na condição de promitente compradora, para responder pela restituição ao consumidor dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa Sati, nas demandas em que se alega a prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor.
Interesse coletivo
Embora a falta de um critério de relevância para a admissão dos recursos desvie esforços que o tribunal deveria manter concentrados em sua missão principal, ainda assim o STJ continuou em 2016 a firmar importantes e inéditas teses, definindo questões polêmicas, revendo jurisprudências e dando respostas à sociedade em relação a diversos assuntos de interesse coletivo.
No âmbito penal, em julgamento de agosto deste ano, a Quinta Turma considerou ser dispensável qualquer tipo de contato físico para caracterizar o delito de estupro de vulnerável. No caso analisado pelo colegiado, uma criança de 10 anos foi levada a motel e, mediante pagamento, forçada a tirar a roupa na frente de um homem.
Em concordância com o voto do relator, ministro Joel Ilan Paciornik, o colegiado considerou que “a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física, sendo, portanto, irrelevante que haja contato físico entre ofensor e ofendido para a consumação do crime” (número do processo não divulgado devido a segredo judicial).
Comércio sexual
Outro julgamento que merece destaque, da Sexta Turma, reconheceu que a atividade relacionada ao comércio sexual do próprio corpo não é ilícita e que, portanto, é passível de proteção jurídica. No caso analisado pelo colegiado, uma prostituta maior de 18 anos foi acusada de roubo porque teria arrancado um cordão com pingente folheado a ouro do pescoço de um cliente que deixou de pagar pelo serviço sexual prestado (HC 211.888).
Para os ministros, a conduta da acusada não caracterizou roubo, mas o crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no artigo 345 do Código Penal, cuja pena máxima é de um mês de detenção.
“Não se pode negar proteção jurídica àqueles que oferecem serviços de cunho sexual em troca de remuneração, desde que, evidentemente, essa troca de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis e desde que o ato sexual seja decorrente de livre disposição da vontade dos participantes”, afirmou o relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz.
Aborto
No âmbito civil, o STJ inovou mais uma vez ao considerar abuso de direito a impetração de habeas corpus por terceiro com o fim de impedir a interrupção, deferida judicialmente, de gestação de feto portador de síndrome incompatível com a vida extrauterina (REsp 1.467.888).
No mês de outubro, a Terceira Turma condenou um padre do interior de Goiás a pagar R$ 60 mil de indenização por danos morais porque ajuizou habeas corpus para impedir uma mulher de abortar, mesmo tendo sido o procedimento autorizado pela Justiça. O bebê foi diagnosticado com a síndrome de Body Stalk – denominação dada a um conjunto de malformações que inviabilizam a vida fora do útero.
Acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma entendeu que o padre abusou do direito de ação e violou direitos da gestante e de seu marido, provocando-lhes sofrimento inútil.
Recém-nascidos
Neste ano, o STJ decidiu diversos processos envolvendo direitos do consumidor. No mês de maio, a Quarta Turma concluiu que, na hipótese em que o contrato de plano de saúde incluir atendimento obstétrico, a operadora tem o dever de prestar assistência ao recém-nascido durante os primeiros 30 dias após o parto.
Essa obrigação, conforme apontou o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, independe de a operadora ter autorizado a efetivação da cobertura, de ter ou não custeado o parto, tampouco de inscrição do recém-nascido como dependente nos 30 dias seguintes ao nascimento (REsp 1.269.757).
“Nos termos do artigo 12 da Lei de Planos e Seguros de Saúde, é facultada a oferta e contratação do plano-referência, com a inclusão de atendimento obstétrico (inciso III), quando, então, deverá ser garantida cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros 30 dias após o parto”, esclareceu o ministro.
OAB
No direito público, a Primeira Seção proferiu julgamento importante para os bacharéis em direito que se graduaram em universidades não reconhecidas pelo Ministério da Educação (MEC) (REsp 1.288.991).
Para o colegiado, a inscrição como advogado, nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de quem apresente diploma ou certidão de graduação em direito “obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada” (artigo 8º, II, do Estatuto da Advocacia) não pode ser impedida pelo fato de o curso de direito não ter sido reconhecido pelo MEC.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator, considerou que o Estatuto da OAB é claro ao exigir, quanto ao diploma ou à certidão de graduação em direito, somente que estes sejam obtidos em instituição de ensino oficialmente autorizada ou credenciada, “razão pela qual não há como impor a exigência do reconhecimento da instituição de ensino a quem pretenda a inscrição nos quadros da OAB”.
IPVA
No campo tributário, a Primeira Seção firmou tese em julgamento de recurso especial repetitivo relacionada ao prazo prescricional para cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) (REsp 1.320.825).
De acordo com o entendimento pacificado, “a notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para a execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação”.
Isso porque, conforme orientou o ministro Gurgel de Faria, relator, “reconhecida a regular constituição do crédito tributário, não há mais que falar em prazo decadencial, mas sim em prescricional, cuja contagem deve se iniciar no dia seguinte à data do vencimento para o pagamento da exação, porquanto antes desse momento o crédito não é exigível do contribuinte”.