Ainda que os Códigos de Processo Civil de 1973 e 2015 não prevejam prazo para a propositura da ação de restauração de autos, atos normativos de corregedorias dos tribunais não podem fixar prazo decadencial para o exercício do direito de requerer a restauração, sob pena de violar o devido processo legal e de ultrapassar o caráter de organização interna, e não processual, reservado a esses normativos.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao anular sentença que havia indeferido petição inicial de restauração dos autos e extinguido o processo sem resolução do mérito, porque o juiz considerou que foi ultrapassado o prazo estabelecido no Provimento 24/2011 da corregedoria-geral do Tribunal de Justiça do Maranhão.
“Ao estabelecer prazo para a propositura da ação de restauração de autos com a apresentação dos documentos necessários, o TJMA editou norma processual – cuja competência legislativa foi atribuída, pela Constituição Federal, privativamente à União (artigo 22, I, CF) –, em ofensa ao devido processo legal, e violou os artigos 1.063 e seguintes do CPC/1973 (artigos 712 e seguintes do CPC/2015)”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.
A restauração de autos é classificada como ação incidental que visa à recomposição do conjunto de peças documentais de processo desaparecido, bem como à eventual responsabilização de quem deu causa ao desaparecimento.
Incêndio
O ato de provimento da corregedoria do TJMA, editado após incêndio ocorrido no fórum de Poção de Pedras (MA), fixou prazos e procedimentos para restauração dos processos que foram destruídos.
A sentença de extinção, fundamentada na resolução interna, foi mantida pelo tribunal maranhense, que considerou suficiente o prazo concedido para que o interessado realizasse as diligências necessárias para a restauração ou justificasse a impossibilidade de fazê-las.
A ministra Nancy Andrighi apontou que os autos do processo de restauração têm natureza de documento público e constituem instrumento para o exercício da atividade jurisdicional, de forma que a restauração é de interesse da Justiça, podendo o magistrado, de ofício, promover o processo restaurativo.
Segundo a ministra, embora com o objetivo válido de evitar que os processos ficassem indefinidamente suspensos, o TJMA criou “verdadeiro prazo decadencial para o exercício do direito de requerer a restauração dos respectivos autos”.
Prejuízo à parte
A relatora destacou que, ainda que a corte maranhense tenha afirmado que o provimento tinha caráter procedimental, a criação de prazo decadencial impõe limite ao exercício do direito pela parte e, consequentemente, à prestação jurisdicional pelo Estado, razão pela qual a norma não pode ser interpretada como mera regra de procedimento.
“Tal previsão, ademais, viola a garantia do devido processo legal, na sua vertente substancial, porquanto não é razoável que o silêncio do legislador possa ser interpretado pelo órgão jurisdicional em prejuízo da parte que não deu causa ao desaparecimento dos autos, sequer em favor daquela que se beneficia da suspensão do processo”, concluiu a ministra ao anular a sentença e determinar o prosseguimento do processo de restauração.
Leia o acórdão.