A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o terceiro adquirente – atual proprietário – de imóvel cuja aquisição originária se deu por financiamento superfaturado não tem legitimidade para requerer do agente financiador a restituição das parcelas cobradas em excesso.
No recurso julgado, a compradora de um imóvel pleiteava a devolução de 28,19% do financiamento feito pelo proprietário originário, cujo superfaturamento foi reconhecido em ação coletiva. A Caixa Econômica Federal (CEF) foi condenada nesta ação a reduzir do valor das prestações dos mutuários do Conjunto Habitacional Bairro Planalto HI a VI, em Pato Branco (PR), a importância cobrada a mais, bem como a compensar os valores pagos em excesso.
Em primeiro grau, a sentença extinguiu a execução individual sem resolução de mérito, sob o fundamento de ilegitimidade ativa da autora, uma vez que ela não foi mutuária no contrato para aquisição do imóvel. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou a ilegitimidade, pois a compra somente ocorreu após a quitação do contrato e o levantamento da hipoteca.
No recurso especial, a recorrente alegou que, como a CEF não restituiu o valor pago a mais, poderia habilitar-se à execução da sentença coletiva, pois seria titular do direito na condição de proprietária atual do imóvel.
Duas fases
Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a ação coletiva sobre interesses individuais homogêneos se desdobra em duas fases, sendo que da eventual procedência do pedido na primeira fase, de cunho objetivo, resulta uma sentença genérica, que servirá de título executivo para as ações individuais de cumprimento.
“Nesse contexto, conforme já decidiu a Corte Especial, a eficácia da sentença proferida na primeira fase da ação coletiva tem seus limites definidos por seu alcance objetivo (‘o que’ se decidiu) e subjetivo (‘a quem’ se decidiu), o que permitirá afirmar ‘que determinada sentença atinge ou não esses ou aqueles sujeitos, ou que atinge ou não essa ou aquela questão fático-jurídica’”, disse a ministra em seu voto.
De acordo com ela, a legitimidade para as ações individuais de cumprimento, na segunda fase da ação coletiva, será definida pelo que foi decidido na sentença anterior.
Sujeição do negócio jurídico
A relatora esclareceu que as controvérsias processuais instauradas em relação a determinados bens ou relações jurídicas não tornam esses interesses inalienáveis ou intransmissíveis, podendo ocorrer validamente a transferência do domínio ou a cessão de um crédito ou de posição contratual.
Segundo ela, o efeito extensivo da coisa julgada encontra-se previsto no artigo 109, parágrafo 3°, do Código de Processo Civil, “o qual não cogita, verdadeiramente, de sucessão processual, mas, ao contrário, da efetiva sujeição do negócio jurídico ao resultado da ação em trâmite”.
“O requisito para que a eficácia da sentença seja estendida ao adquirente do objeto litigioso é que exista um nexo de interdependência entre a relação jurídica submetida à apreciação judicial e os direitos alienados, de modo que o terceiro possa ser considerado sucessor em relação às obrigações subjacentes ao título executivo”, explicou Nancy Andrighi.
A ministra ainda informou que, se a questão submetida ao processo tiver fonte jurídica distinta dos direitos transferidos, os efeitos da sentença não alcançarão o terceiro adquirente. “Assim, não tendo ocorrido a cessão de posição contratual no mútuo celebrado com a CEF, tendo a recorrente adquirido o bem em questão somente após a quitação do financiamento e o levantamento da hipoteca, o título aquisitivo tem fonte jurídica distinta daquela relação examinada nos autos da ação coletiva de consumo”, entendeu.
Dessa forma, a ministra considerou que a relação contratual decorrente do mútuo para a aquisição do imóvel pelo proprietário originário é autônoma e, por isso, não acompanha a transferência da propriedade do bem financiado.
Leia o acórdão.