A decisão foi tomada no julgamento de recurso especial da Líder Táxi Aéreo S/A em demanda com a Skipton S/A, empresa do ramo imobiliário. O recurso discutia apenas se o CDC poderia ser invocado para definir o juízo competente para decidir a demanda.
A Skipton celebrou contrato com a Líder – vendedora exclusiva no Brasil de aviões produzidos pela Hawker Beechraft Corporation – para aquisição de uma aeronave King Air B200GT. Em virtude de suposto inadimplemento por parte da Líder, a Skipton ajuizou ação de resolução contratual e pediu a devolução dos valores que antecipou a título de arras confirmatórias da compra da aeronave.
A ação foi proposta em Curitiba, onde fica a sede da Skipton. O artigo 101, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que em caso de ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, o autor poderá ajuizar o pedido no foro de seu domicílio.
Incompetência
A Líder arguiu exceção de incompetência. Sustentou que a relação discutida na ação possui caráter paritário, pelo que não se poderia falar em relação de consumo. Por isso, pediu o reconhecimento da incompetência do juízo da 12ª Vara Cível de Curitiba.
Para a Líder, a ação deveria ter sido ajuizada em Belo Horizonte, onde fica sua sede, conforme prevê a regra geral de competência do Código de Processo Civil.
O juízo de primeiro grau rejeitou a exceção. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), ao julgar agravo interposto pela Líder, também não acolheu o pedido.
“É possível caracterizar a pessoa jurídica como consumidora quando não utiliza os serviços prestados pela fornecedora como meio (insumo) à confecção de produtos finais a serem por ela comercializados”, decidiu o TJPR, acrescentando que a atividade da compradora não é a revenda de aeronaves, razão pela qual ela se enquadra na condição de destinatária final do produto.
No STJ, a Líder insistiu em que não haveria relação de consumo no caso, já que não se pode considerar a Skipton hipossuficiente. “Tanto a doutrina quanto a jurisprudência afastam a aplicação da legislação consumerista nos casos em que o bem é utilizado para incrementar os negócios e as atividades comerciais do seu adquirente”, afirmou.
Em razão disso, sustentou a incompetência do juízo de Curitiba para o processamento e julgamento da ação.
Destinatário final
Os ministros da Terceira Turma aplicaram a jurisprudência já consolidada no STJ, que considera consumidor a pessoa física ou jurídica que adquire o produto como seu destinatário final, isto é, o destinatário que retira o bem de circulação no mercado para satisfazer sua própria necessidade e não para utilizá-lo no processo produtivo.
“Esta corte superior, adotando o conceito de consumidor da teoria finalista mitigada, considera que a pessoa jurídica pode ser consumidora quando adquirir o produto ou serviço como destinatária final, utilizando-o para atender a uma necessidade sua, não de seus clientes”, afirmou o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
“A aeronave foi adquirida para atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica autora da demanda, não integrando diretamente – por meio de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda – produto ou serviço por ela posto à disposição do mercado, motivo pelo qual se aplicam à relação em tela os ditames constantes da lei consumerista”, acrescentou o ministro Villas Bôas Cueva.
O colegiado, de forma unânime, acompanhou o voto do ministro Sanseverino e manteve a competência da Justiça do Paraná para o julgamento da ação.