“A abrangência da Lei da Anistia, atualmente, não é a mesma de quando foi aprovada pelo Congresso Nacional (em agosto de 1979)”, sublinhou Dipp em entrevista coletiva.
Ele explicou que, segundo seu entendimento como juiz, uma emenda constitucional abriu caminho para a possibilidade de investigações e julgamentos de possíveis delitos ocorridos durante os chamados “anos de chumbo”.
Segundo sua análise, a Emenda Constitucional (EC) 26, aprovada pelo Congresso em 1985, separou do conceito de crimes políticos e de crimes conexos a expressão “de qualquer natureza”.
Originalmente, a Lei da Anistia livrava de qualquer responsabilidade ou risco de enfrentar processos judiciais todas as pessoas acusadas de cometer, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, crimes políticos ou vinculados (conexos) a estes.
O texto ainda destacava em seu parágrafo primeiro que “consideram-se conexos crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.
Mudança
Contudo, como ressaltou o ministro do STJ aos jornalistas, a EC 26 modificou o texto da Lei da Anistia e fez com que no artigo quarto, parágrafo primeiro, prevalecesse: “É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos”, sem informar em que âmbito esses delitos relacionados poderiam se dar.
Dipp indicou que a expressão “de qualquer natureza” permitia que sequestros, assassinatos, ocultações de cadáveres, entre outros abusos, pudessem ser interpretados pela Justiça como conexos com os crimes políticos.
Porém, a exclusão dessas palavras fez com que prosperasse uma única certeza, a de que “crimes conexos, quem define o que são, é o Código de Processo Penal”, conforme disse.
Ele exemplificou que a partir do momento em que a EC 26 foi promulgada, qualquer caso de desaparecimento, morte ou tortura após a detenção de uma pessoa durante a ditadura militar deixou de ser conexo com crimes políticos.
Imprescritíveis
O ministro indicou que tais crimes são de lesa-humanidade e por isso não prescrevem. Explicou que, sem a mencionada expressão, a conexão se perdeu porque os crimes posteriores eram cometidos por outras pessoas que não as que haviam feito a prisão, assim como em lugares e circunstâncias diferentes daquela apreensão inicial.
“Estou reexaminando isso em termos de direito penal e não estou fazendo juízo político, valorativo, filosófico ou ideológico do que quer que seja”, disse Dipp a respeito da possibilidade de levar aos tribunais pessoas acusadas de abusos durante os governos militares.
“Se em cada caso se comprovar a conexão técnica (de um assassinato, por exemplo, com crime político), pode-se aplicar o que está previsto na Lei da Anistia. Se estiver fora, abre-se a oportunidade para o Judiciário se manifestar”, apontou.
Em sua opinião, em algum momento o Supremo Tribunal Federal (STF) terá de se debruçar sobre esse questionamento.
A seu ver, o STF será levado a isso porque tramitam processos nessa corte que tratam do tema e que se baseiam em interpretações como a dele sobre o abrandamento da Lei da Anistia.
Recordou que no Senado e na Câmara também tramitam projetos de lei que propõe a possibilidade de revisão das aparentes limitações da Lei da Anistia a processos judiciais.