A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso em habeas corpus que pedia a anulação do compartilhamento espontâneo de provas produzidas pelo Ministério Público Federal (MPF) com autoridades espanholas, em investigação realizada naquele país. O colegiado rejeitou a tese defensiva de prescrição, por entender que a aplicação do instituto só seria possível se a conduta supostamente praticada no exterior – crime em matéria tributária – tivesse equivalente na legislação brasileira, o que não era o caso.
Segundo a turma, os requisitos previstos no acordo de cooperação entre Brasil e Espanha foram respeitados, não havendo a necessidade de dupla incriminação da conduta investigada – ou seja, que ela fosse prevista como crime nos dois países.
Na origem do caso, o MPF enviou a autoridades espanholas, via acordo de cooperação internacional, documentos extraídos de Procedimento Investigatório Criminal (PIC) em que se apurava um possível crime contra a ordem tributária. As informações seriam utilizadas para apurar se o mesmo investigado praticou um crime tipificado na legislação espanhola, mas sem previsão no Brasil.
Em habeas corpus impetrado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), a defesa argumentou que o compartilhamento espontâneo das provas com autoridades espanholas teria sido ilegal, por descumprir requisitos do Decreto 6.681/2008 – que dispõe sobre o Acordo de Cooperação e Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal entre Brasil e Espanha –, inclusive quanto à prescrição. O tribunal rejeitou o pedido.
No recurso ao STJ, a defesa reiterou a tese da prescrição e acrescentou, com base na Resolução 178/2017 do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), que a transmissão espontânea de informações deveria seguir as mesmas regras da cooperação internacional em matéria penal, estando o procedimento sujeito ao princípio da dupla incriminação. Nesse sentido, como o suposto delito não possuía equivalente no Brasil, o compartilhamento de provas deveria ser anulado.
De acordo com o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, a resolução do CSMPF é ato administrativo de efeitos internos, que não se sobrepõe a um acordo internacional internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por meio de decreto, norma hierarquicamente superior. Além disso, o compartilhamento de provas foi anterior à publicação da resolução.
Paciornik explicou que o princípio da dupla incriminação é uma garantia individual segundo a qual o fato investigado que demanda cooperação jurídica internacional deve ser abstratamente previsto como crime tanto no país requisitante quanto no requisitado.
"Contudo, como é compreensão majoritária, sua aplicação é excepcional, e sua concepção decorre de modelos de cooperações em que a liberdade individual é afetada diretamente, como nos casos de extradição", alertou o ministro. Ele lembrou que o acordo dispensa expressamente a dupla incriminação e citou jurisprudência do STJ (AgRg na CR 1.433) que confirma a não incidência do princípio em cooperações para averiguação de fatos ou obtenção de provas em outros países.
No que se refere à alegação de que o crime apurado no exterior já estaria prescrito, o relator apontou que o recorrente apresentou, de forma contraditória, interpretação que exige a dupla incriminação. Para a defesa, se o crime tivesse sido praticado no Brasil e a este fosse aplicada a pena abstrata cominada na Espanha, a pretensão punitiva estatal estaria prescrita.
"Acolher a tese defensiva implicaria, a toda prova, possibilitar a teratológica combinação de leis penais entre ordenamentos jurídicos de Estados diferentes para identificar o cálculo prescricional que melhor aproveita ao recorrente", afirmou o ministro.
Ao negar provimento ao recurso, Paciornik concluiu que não há ilegalidade ou abuso de poder que ponha em risco a liberdade de locomoção do paciente.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.