A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) instaurou Incidente de Assunção de Competência (IAC) para analisar se, tendo em vista a responsabilidade solidária dos entes federados na prestação de saúde, o autor pode escolher contra qual deles mover a ação para fornecimento de medicamento não incluído em políticas públicas, mas devidamente registrado na Anvisa – o que pode afetar a competência para o julgamento da causa.
O colegiado também vai decidir se, nessas demandas, é devida, ou não, a inclusão da União no polo passivo, seja por ato de ofício, seja por intimação da parte para emendar a inicial, sem prévia consulta à Justiça Federal.
O tema foi cadastrado como IAC 14 na página de recursos repetitivos e IACs do tribunal. A relatoria é do ministro Gurgel de Faria, que afetou os Conflitos de Competência 187.276, 187.533 e 188.002 como representativos da controvérsia.
O colegiado determinou a manutenção do curso das ações que versam sobre fornecimento de tratamento ou de medicamento não incluído nas políticas públicas, por entender que a suspensão dos feitos poderia causar dano de difícil reparação àqueles que necessitam da tutela do direito à saúde.
Nos casos de conflito de competência, os ministros designaram o juízo estadual para decidir as medidas urgentes em caráter provisório, nos termos do artigo 955 do Código de Processo Civil (CPC).
Segundo o ministro Gurgel de Faria, apesar do disposto nos artigos 109, I, da Constituição Federal e 45 do CPC, bem como do entendimento pacífico do STJ de que compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença da União no processo (Súmula 150) –, uma imensa quantidade de conflitos de competência a respeito da matéria começou a chegar ao tribunal, notadamente após o julgamento do Tema 793 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesse julgamento, explicou o relator, o STF ratificou o entendimento de que a responsabilidade entre os entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde é solidária. De acordo com o ministro, os juízos estaduais, quando se deparam com ações dessa natureza, determinam, de ofício, que a parte autora emende a inicial para incluir a União no polo passivo, sob pena de extinção do processo sem julgamento de mérito, ou, então, simplesmente remetem o caso à Justiça Federal, com amparo no Tema 793 do STF.
A Justiça Federal, por sua vez, suscita o conflito negativo de competência, por entender que a decisão do STF não impõe a formação de litisconsórcio passivo necessário, competindo ao autor da ação eleger contra quem pretende demandar.
O magistrado destacou que um estudo técnico realizado pela Secretaria Judiciária do STJ identificou que, no período de janeiro a março de 2022, foram distribuídos na corte 109 conflitos de competência sobre fornecimento de tratamento ou de medicamento não incluído nas políticas públicas, havendo 570 outros processos semelhantes em tramitação.
"A instauração do presente incidente visa decidir o juízo competente para o julgamento de demanda relativa à dispensação de tratamento médico não incluído nas políticas públicas e com registro na Anvisa, sendo o conflito de competência o processo adequado para dirimir a questão de direito processual controvertida, sem que haja necessidade de adentrar no mérito da causa (onde suscitado o conflito)", disse Gurgel de Faria.
Na avaliação do ministro, há urgência na resolução da controvérsia, ante a probabilidade de serem praticados atos nulos ou desnecessários, que somente contribuirão para retardar a prestação da tutela jurisdicional. "Especialmente nas demandas relativas ao direito à saúde, deve-se primar pela celeridade e eficácia processual, sob pena de o ##provimento## judicial se tornar inócuo", afirmou o relator.
Diante disso, no julgamento da questão de ordem suscitada nos conflitos em análise, a Primeira Seção determinou expressamente que, até o julgamento definitivo do IAC 14, o juiz estadual se abstenha de praticar qualquer ato de declinação de competência nas ações que versem sobre tema idêntico, em atenção ao princípio da segurança jurídica, de modo que os processos devem prosseguir na jurisdição estadual.