O administrador de um fundo de investimento é parte legítima para figurar no polo passivo de ação em que se pretende a reparação de supostos danos resultantes da inadequada liquidação do fundo.
O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar provimento ao recurso de uma administradora que foi incluída no polo passivo de ação de reparação de danos ajuizada por dois empresários da construção civil, os quais alegaram ter sofrido prejuízos com a liquidação de um fundo de investimento sem que antes pudessem exercer opção de compra de ações por preço simbólico – situação que estava prevista em contrato.
Segundo o processo, os empresários permitiram a entrada do fundo na construtora, na qualidade de sócio investidor, a fim de que aportasse recursos necessários à realização da oferta pública inicial de ações da companhia no mercado de capitais.
Os empresários alegam que, conforme o contrato de opção, se o fundo conseguisse ganhar pelo menos 40% com a venda de ações da construtora a terceiros, eles teriam o direito de comprar do fundo grande quantidade dessas mesmas ações por um preço simbólico.
De acordo com os empresários, no entanto, a administradora do fundo procedeu à sua liquidação integral e à partilha do patrimônio entre os cotistas sem antes honrar a opção de compra.
Para os empresários, a administradora desrespeitou seus deveres e deve responder pelos prejuízos. Em primeira instância, porém, o processo foi extinto por ilegitimidade passiva, ao fundamento de que a administradora apenas fez o que lhe foi determinado pelo fundo e não poderia ser responsabilizada por isso.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento à apelação, permitindo o prosseguimento da ação e determinando a realização de perícia. O tribunal entendeu que a administradora do fundo possui legitimidade para responder por atos de má administração ou má liquidação.
Segundo o TJSP, a pretensão dos autores da ação não tem qualquer relação com a conduta do fundo perante os cotistas, mas, sim, com a má liquidação do fundo, que teria sido encerrado sem a quitação de todas as obrigações.
No recurso especial, a administradora alegou que os cotistas seriam os únicos legitimados para responder à ação na qual se discute, em última análise, os efeitos e as obrigações decorrentes das ordens que o fundo deu aos seus administradores.
Para a administradora, se o direito alegado pelos empresários existe em razão do não cumprimento de um acordo firmado pelo fundo, os condôminos desse fundo é que teriam de responder judicialmente.
O ministro Villas Bôas Cueva, relator, lembrou que a jurisprudência do STJ orienta que as condições da ação, incluindo a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações feitas pelo autor na petição inicial.
Ele destacou que, nessa peça, os empresários não imputaram ao fundo de investimento o descumprimento do contrato; em vez disso, atribuíram à administradora a incorreta liquidação do fundo. Para o relator, a conclusão do TJSP acerca da legitimidade foi acertada.
"O administrador de um fundo de investimento é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de supostos danos resultantes da inadequada liquidação da aludida comunhão de recursos financeiros", resumiu.
Villas Bôas Cueva disse que a satisfação integral do passivo antes da partilha do patrimônio líquido entre os cotistas está, em regra, inserida entre as atribuições do administrador do fundo de investimentos, sendo dele a responsabilidade, em tese, por eventuais prejuízos que guardem nexo de causalidade com a inobservância desse dever.
"Independentemente de previsão legal ou regulamentar específica, a realização do ativo, a satisfação do passivo e a partilha do acervo líquido entre os cotistas são atribuições dos liquidantes das massas patrimoniais em geral", declarou o ministro.
Ao contrário do que sustentou a administradora, o relator afirmou que os artigos 1.315 e 1.319 do Código Civil – segundo os quais o condômino responde, na proporção de sua cota-parte, pelos ônus a que estiver sujeita a coisa e, perante os demais condôminos, pelo dano que a ela tiver causado – somente justificariam a presença dos cotistas na demanda se os empresários tivessem pleiteado o cumprimento do contrato de opção.
"Os autores optaram pelo ajuizamento da demanda contra a administradora do fundo, elencando como causa de pedir a liquidação do fundo antes de satisfeitas as obrigações contraídas perante terceiros, e, como pedido, uma indenização correspondente ao valor das ações a que fariam jus em virtude do suposto implemento da condição suspensiva" – explicou Villas Bôas Cueva, ao destacar que é essa a situação que impõe a admissão da administradora no polo passivo da demanda.
Leia o acórdão.