A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o crime de poluição qualificada, se o agente poluidor deixa de cumprir ordem administrativa para reparar o dano ambiental, é de natureza permanente, que perdura enquanto se mantiver a desobediência. O colegiado reafirmou jurisprudência segundo a qual não é possível aferir o transcurso da prescrição quando há continuidade das atividades ilícitas contrárias ao meio ambiente.
Com esse entendimento, a Quinta Turma confirmou decisão do relator, ministro Joel Ilan Paciornik, que, em dezembro de 2019, negou o recurso especial de uma empresa condenada por poluição qualificada. No recurso, a empresa pedia o reconhecimento da prescrição, sob o argumento de que causar poluição seria delito de consumação instantânea.
A empresa foi condenada com base no artigo 54, parágrafos 2º, I, II, III e IV, e 3º, e no artigo 56, parágrafo 1º, I e II, combinados com o artigo 58, I, da Lei 9.605/1998.
Conceitos legais
Em seu voto, o ministro Joel Ilan Paciornik explicou as diferenças entre o crime permanente e o instantâneo de efeitos permanentes. Reportando-se à doutrina sobre o tema, ele destacou que, no permanente, o momento consumativo é uma situação duradoura, cujo início não coincide com a sua cessação. Além disso, a manutenção da situação de permanência depende da vontade do próprio agente.
Já nos crimes instantâneos de efeitos permanentes, o resultado da ação é permanente, e não a conduta do agente. O retorno à situação anterior, nesses casos, foge à sua alçada.
O relator observou que as condutas atribuídas à ré, caracterizadas como crime permanente, consistiram em causar poluição com danos à população e ao meio ambiente, em desacordo com as leis de proteção, e omitir-se na adoção das medidas de precaução diante do risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema.
Segundo Joel Paciornik, há dificuldade em classificar a poluição qualificada quanto ao momento de sua consumação, "na medida em que podemos visualizar uma conduta inicial definida – causar poluição – que pode restar configurada simplesmente na primeira ação ou omissão por parte do autor ou perdurar no tempo".
De acordo com o ministro, a doutrina, ao analisar a Lei 9.605/1998, entende que ocorre a consumação do crime quando há descumprimento de medidas determinadas pelo órgão administrativo competente, tratando-se de crime permanente, que se protrai no tempo enquanto dura a desobediência.
Para o relator, o armazenamento do lixo industrial da empresa resultou em poluição grave da área degradada, sendo que até o momento ela não tomou providências para reparar o dano.
"No caso em exame, entendo que o crime de poluição qualificada é permanente, diante da continuidade da prática infracional, ainda que por omissão da parte autora, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado – retirar os resíduos – e não o fez", afirmou Paciornik.
O ministro lembrou que a prescrição nos crimes ambientais, praticados por pessoas jurídicas, tem vinculação direta com os preceitos do artigo 109 do Código Penal e, por consequência, do artigo 111. Ele destacou que o STJ tem se posicionado pela impossibilidade de aferição do transcurso do prazo prescricional nos delitos cometidos em desfavor do meio ambiente, quando pautado na continuidade das atividades ilícitas.
"A meu ver, esse posicionamento vem tomando força e deve ser a linha de orientação a ser seguida, considerado o bem jurídico-constitucional de elevado valor a que a lei faz referência – direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado –, que legitima a intervenção do Estado no controle das ações praticadas a seu desfavor, devendo ser promovida a efetiva aplicação das normas penais", concluiu o ministro.
A decisão da Quinta Turma reforça a jurisprudência do colegiado em prol da ampla proteção do meio ambiente também sob o aspecto do direito penal. Em outro caso (RMS 39.173), os ministros consideraram possível a responsabilização penal da empresa por delitos ambientais independentemente de responsabilização concomitante dos sócios.
Como consequência, segundo o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, é possível o oferecimento de denúncia contra a pessoa jurídica mesmo sem a imputação do delito ambiental à pessoa física que administra a sociedade.
Segundo o ministro, em um primeiro momento, o STJ adotava a teoria da dupla imputação necessária em crimes contra o meio ambiente, sob o fundamento de que a responsabilização penal da pessoa jurídica exigiria a imputação concomitante da pessoa física que age em nome da empresa.
Contudo, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 548.181, a jurisprudência do STJ também evoluiu para entender que a necessidade de dupla imputação viola dispositivos legais como o artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal.