O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz concedeu liminar para suspender os efeitos de decisão que reconheceu infração disciplinar grave por parte de um preso após o desaparecimento de um pacote de fermento biológico da cozinha da penitenciária.
Após o supervisor perceber o sumiço do fermento, os detentos que trabalhavam no local foram questionados, mas nenhum deles assumiu o fato ou indicou quem poderia ter sido o responsável. Poucas horas depois, o produto reapareceu no lugar onde deveria estar guardado.
Indagados novamente e ameaçados de punição, os presos continuaram dizendo que não sabiam quem havia pegado o fermento. A direção do presídio abriu processo disciplinar contra os cinco detentos que estavam trabalhando na padaria da cozinha naquele momento, e, ao final, aplicou uma punição a todos, consistente na anotação de falta grave – o que tem reflexo na progressão do regime de cumprimento da pena.
Tanto o juiz de primeira instância como o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) mantiveram a aplicação da penalidade, concluindo pela regularidade do processo disciplinar. O TJSP entendeu que "o reeducando praticou falta disciplinar de natureza grave, pois desobedeceu à ordem de funcionário público e agiu de maneira indisciplinada, desrespeitando as regras impostas no sistema penitenciário, pois, juntamente com outros sentenciados, prestava serviço na cozinha do presídio".
No pedido de habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa de um dos presos afirmou que a sanção disciplinar é ilegal, já que não ficou demonstrado quem subtraiu o fermento.
Segundo o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, se a corte de segunda instância conclui pela regularidade do processo disciplinar que apurou falta grave, seus fundamentos não podem ser revistos no STJ por meio de habeas corpus, pois isso exigiria o reexame aprofundado das provas. No entanto – continuou o relator –, não é necessário o revolvimento dos fatos para concluir, no caso em discussão, pela ausência de provas que apontem a autoria da conduta.
O ministro citou jurisprudência do tribunal no sentido da inviabilidade da aplicação de penalidade de forma coletiva no âmbito da execução penal, sem a individualização da conduta.
"É imperioso ressaltar a relevância da individualização da conduta imputada ao apenado, circunstância sem a qual nem é possível o adequado exercício das garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa, previstas no texto do artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna, segundo o qual aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Schietti destacou que a imputação de autoria coletiva à infração sob apuração corrompe a própria finalidade a que se presta o processo disciplinar, "tornando o procedimento de apuração instrumento inócuo, ao esvaziar a possibilidade de efetiva defesa, constituindo, inclusive, ofensa ao ordenamento jurídico internacional".
O relator mencionou o artigo XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo o qual "todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa".
"Assim, em um primeiro olhar, não verifico a indicação de elementos que vinculem o apenado ao desaparecimento do produto armazenado na padaria do estabelecimento prisional, de modo que constitui patente constrangimento ilegal a manutenção dos consectários decorrentes do reconhecimento da falta grave", concluiu o ministro ao suspender o ato que reconheceu a infração disciplinar.
Leia a decisão.