Com base no princípio do melhor interesse do menor, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus de ofício para suspender mandado de busca e apreensão e o acolhimento institucional de uma criança que vive em família com a qual não tem vínculo de parentesco.
A criança, atualmente com quase três anos, teria sido entregue pela mãe biológica a uma "madrinha". Os pais biológicos – usuários de drogas e acusados de maus-tratos e de abandono material e afetivo – foram processados pelo Ministério Público, que pediu o acolhimento institucional do menor.
Segundo o processo, desde os dois meses de idade o menino vivia na casa dos pais afetivos. Após receber o bebê, a "madrinha" procurou o conselho tutelar, que concedeu a guarda provisória à família. O juízo de primeiro grau considerou que não houve indício de burla ao cadastro de adoção, mas o Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que emitiu a ordem de acolhimento institucional.
Ao impetrar o habeas corpus, a defesa da criança alegou que o contexto social e a afetividade construídos com a "madrinha" não foram analisados na ação. Foi solicitada ao STJ concessão da ordem para que a criança não fosse para a instituição e pudesse ficar em seu lar socioafetivo até a regularização da guarda definitiva.
O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que o exame dos autos revela a existência de flagrante ilegalidade na decisão tomada pelo TJSP.
"A despeito dos fundamentos declinados pelo tribunal paulista, não se pode perder de vista que, em demandas envolvendo interesse de criança ou adolescente, a solução da controvérsia deve sempre observar o princípio do melhor interesse do menor, introduzido em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção integral, consagrada pelo artigo 227 da Constituição Federal, o qual deve orientar a atuação tanto do legislador quanto do aplicador da norma jurídica, vinculando-se o ordenamento infraconstitucional aos seus contornos", observou.
Para o ministro, no caso analisado não há indícios de má-fé da "madrinha" com o propósito de burlar o cadastro de adoção, pois a entrega da guarda, de fato, foi efetuada pelo próprio conselho tutelar, como medida de proteção ante a situação de risco que a criança enfrentaria ficando com a mãe biológica.
Segundo o ministro, constatou-se que o casal de "padrinhos" havia proporcionado ao menor um ambiente acolhedor, seguro e familiar, dispensando-lhe cuidados médicos, assistenciais e afetivos, o que gerou uma "forte vinculação" entre eles.
"Essa circunstância, entretanto, não foi devidamente analisada pelo tribunal de origem, ao determinar o encaminhamento da criança a um abrigo apenas pela suposta necessidade de se respeitar o cadastro de adoção, deixando de observar, contudo, a supremacia do melhor interesse da criança", explicou.
Bellizze frisou que o STJ tem entendimento consolidado de que o acolhimento institucional de menor é medida excepcional, devendo, sempre que possível, ser prestigiada a permanência da criança ou do adolescente em âmbito familiar – ainda que sob o regime de guarda de fato –, o qual poderá, posteriormente, ser regularizado – inclusive por meio de adoção –, considerando que a observância ao cadastro não é absoluta.
Ao conceder de ofício o habeas corpus, a turma destacou que a decisão poderá ser alterada pelo juízo de primeiro grau, caso ocorra alguma modificação na situação vivida pela criança.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.