Decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tiveram impacto direto no cenário político nacional e nas eleições disputadas em outubro. Casos julgados e teses firmadas pelo tribunal ao longo do ano repercutiram em diversas esferas. Confira um apanhado de algumas das principais decisões:
Em maio, o ministro Luis Felipe Salomão determinou a remessa à Justiça da Paraíba de ação penal contra o atual governador do estado, Ricardo Vieira Coutinho, por supostos crimes praticados antes de assumir o cargo.
A decisão na APn 866 foi tomada com base em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringiu o foro por prerrogativa de função de senadores e deputados federais aos crimes cometidos durante o exercício do mandato e em razão da função pública.
De acordo com o julgamento do STF na AP 937, que limitou o foro para processar e julgar os membros do Congresso Nacional, a competência naquela corte não é mais afetada nos casos de ações nas quais tenha sido finalizada a instrução processual, mesmo que o agente público venha a ocupar outra função ou deixar o cargo.
No mês seguinte, a Corte Especial do STJ ratificou o entendimento quando acolheu uma questão de ordem suscitada na APn 857 e decidiu que o foro por prerrogativa de função no caso de governadores e conselheiros de tribunais de contas ficará restrito a fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste.
Na ocasião, o colegiado seguiu o posicionamento do ministro João Otávio de Noronha, considerando que o STJ é competente para, em interpretação do artigo 105 da Constituição, determinar os elementos de sua competência originária para o julgamento de ações penais.
Para Noronha, da mesma forma que previsto pelo ordenamento jurídico aos juízes de primeiro grau, o STJ, em feitos de competência originária, analisa o texto constitucional para estabelecer os limites e a amplitude de sua competência.
Desembargadores
Crimes comuns e de responsabilidade cometidos por desembargadores, mesmo que não tenham sido praticados em razão do cargo, poderão ser julgados pelo STJ. A decisão, por maioria, foi tomada em novembro pela Corte Especial (APn 878), que seguiu o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, para quem o foro especial tem por finalidade também resguardar a imparcialidade necessária ao julgamento, uma vez que evita o conflito de interesses entre magistrados vinculados ao mesmo tribunal.
A manutenção da prerrogativa de foro, estabelecida no inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, será aplicada sempre que um desembargador acusado da prática de crime sem relação com o exercício do cargo vier a ser julgado por juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que ele, pois a prerrogativa de foro visa, também, proteger a independência no exercício da função judicante.
Quanto aos membros do MP, a Corte Especial iniciou o julgamento que vai definir o procedimento – se aplica o mesmo entendimento das demais autoridades ou não.
Lula
Diversos recursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram julgados pelo tribunal em 2018. Em janeiro, o ministro Humberto Martins, então vice-presidente do STJ, no exercício da presidência, indeferiu liminar em habeas corpus preventivo impetrado em favor do ex-presidente. À época, ele pretendia evitar a prisão antes do trânsito em julgado da condenação.
No início do ano, diversos pedidos de cidadãos que não integravam a defesa do ex-presidente chegaram ao tribunal solicitando que Lula não fosse preso antes do julgamento, pelo STJ e STF, de seus recursos no caso do triplex.
Em março, a Quinta Turma negou o habeas corpus impetrado pela defesa de Lula. No julgamento, o colegiado entendeu que a previsão, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, quanto ao início do cumprimento da reprimenda, após a conclusão do julgamento pelas instâncias ordinárias, seguiu corretamente a tese fixada em 2016 pelo STF, o qual concluiu que a execução provisória do comando prisional, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.
O relator, ministro Felix Fischer, destacou que a possibilidade de execução provisória era a jurisprudência que prevalecia no STF, mesmo após a Constituição de 1988.
Crimes eletrônicos
Em fevereiro, a Quinta Turma decidiu que nos casos em que a Justiça determina a quebra de sigilo telemático de informações armazenadas em outro país – como o fornecimento de dados de uma conta de e-mail, por exemplo –, o cumprimento da ordem prescinde de acordo de cooperação internacional.
O relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, citou recente julgado da Turma para refutar a tese da recorrente no caso, a Yahoo Brasil. Ele afirmou que, conforme o decidido, a pessoa jurídica multinacional que opera no Brasil submete-se, necessariamente, às leis nacionais, razão pela qual é desnecessária a cooperação internacional para a obtenção dos dados requisitados.
No mesmo mês, o colegiado reconheceu a ilegalidade de provas obtidas pela polícia sem autorização judicial a partir de mensagens arquivadas no aplicativo WhatsApp e, por unanimidade, determinou a retirada do material de um processo que apura suposta prática de tentativa de furto.
Ao conduzir suspeito à delegacia, os policiais tiveram acesso a mensagens no celular do réu que indicavam repasse de informações sobre os imóveis que seriam furtados. Segundo a defesa, a devassa nos aparelhos telefônicos sem autorização judicial gerou a nulidade da prova.
Segundo o ministro relator do caso, Reynaldo Soares da Fonseca, “a análise dos dados armazenados nas conversas de WhatsApp revela manifesta violação da garantia constitucional à intimidade e à vida privada, razão pela qual se revela imprescindível autorização judicial devidamente motivada, o que nem sequer foi requerido”.
Espelhamento ilegal
A Sexta Turma declarou em novembro nula uma decisão que autorizou o espelhamento do aplicativo de mensagens WhatsApp, por meio da página WhatsApp Web, como forma de obtenção de prova em uma investigação sobre tráfico de drogas e associação para o tráfico.
A conexão com o WhatsApp Web, sem conhecimento do dono do celular, foi feita pela polícia após breve apreensão do aparelho. Em seguida, os policiais devolveram o telefone ao dono e mantiveram o monitoramento das conversas pelo aplicativo, as quais serviram de base para a decretação da prisão preventiva dele e de outros investigados.
Ao acolher o recurso em habeas corpus e reformar decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a Sexta Turma considerou, entre outros fundamentos, que a medida não poderia ser equiparada à intercepção telefônica, já que esta permite escuta só após autorização judicial, enquanto o espelhamento possibilita ao investigador acesso irrestrito a conversas registradas antes, podendo inclusive interferir ativamente na troca de mensagens entre os usuários.
A relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, afirmou que o espelhamento equivaleria a “um tipo híbrido de obtenção de prova”, um misto de interceptação telefônica (quanto às conversas futuras) e de quebra de sigilo de e-mail (quanto às conversas passadas). “Não há, todavia, ao menos por agora, previsão legal de um tal meio de obtenção de prova híbrido”, apontou.
Violência doméstica
Nos casos de violência contra a mulher ocorridos em contexto doméstico e familiar, a Terceira Seção entendeu que é possível a fixação de valor mínimo de indenização a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que sem especificação do valor. Essa indenização não depende de instrução probatória específica sobre a ocorrência do dano moral, pois se trata de dano presumido.
A tese foi fixada em março, ao julgar recursos especiais repetitivos (Tema 983) que discutiam a possibilidade da reparação de natureza cível por meio de sentença condenatória nos casos de violência doméstica. A decisão, tomada de forma unânime, passa agora a orientar os tribunais de todo o país no julgamento de casos semelhantes.
“A simples relevância de haver pedido expresso na denúncia, a fim de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa, ao meu ver, é bastante para que o juiz sentenciante, a partir dos elementos de prova que o levaram à condenação, fixe o valor mínimo a título de reparação dos danos morais causados pela infração perpetrada, não sendo exigível produção de prova específica para aferição da profundidade e/ou extensão do dano. O merecimento à indenização é ínsito à própria condição de vítima de violência doméstica e familiar. O dano, pois, é in re ipsa”, afirmou o relator dos recursos especiais, ministro Rogerio Schietti Cruz.
Criptomoedas
Ainda no âmbito do meio digital, em dezembro, a Terceira Seção decidiu manter na justiça estadual o julgamento de suposta prática de crime envolvendo a negociação de moeda virtual conhecida como bitcoin.
Para o colegiado, não se observou no caso em análise nenhum indício de crime de competência federal, pois a negociação de criptomoedas ainda não foi objeto de regulação no ordenamento jurídico.
Segundo os autos, duas pessoas, por meio de uma empresa, captavam dinheiro de investidores, oferecendo ganhos fixos mensais, e atuavam de forma especulativa no mercado de bitcoin, sem autorização ou registro prévio da autoridade administrativa competente.
O relator do conflito no STJ, ministro Sebastião Reis Júnior, após analisar os autos, afirmou que as atividades desenvolvidas pelos suspeitos devem continuar a ser investigadas, só que na esfera estadual. Os suspeitos abriram empresa para obter ganhos na compra e venda de criptomoedas, o que não é reconhecido, regulado, supervisionado ou autorizado por instituições como o Banco Central ou a Comissão de Valores Mobiliários, concluiu o ministro.
Agentes políticos
Em março, o ministro Jorge Mussi indeferiu pedido liminar de prisão domiciliar formulado pela defesa do deputado Paulo Maluf, preso desde dezembro de 2017 por determinação do STF. A defesa alegava questões humanitárias e riscos à saúde do deputado para justificar a concessão da medida liminar, mas o ministro entendeu que, por ora, os autos indicam que o parlamentar tem recebido assistência médica adequada na prisão.
Maluf foi condenado pelo STF à pena de sete anos e nove meses de prisão, em regime fechado, pela prática de crime de lavagem de dinheiro.
No mês seguinte, o ministro negou um pedido de liminar que buscava suspender os efeitos da condenação a 20 anos e dez meses imposta pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ao ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro no esquema que ficou conhecido como Mensalão Tucano.
Jorge Mussi explicou que o deferimento da liminar em situações assim, nas quais a defesa tenta suspender os efeitos da condenação, exigiria a demonstração inequívoca da ocorrência de constrangimento ilegal, o que não ocorreu no caso do ex-governador mineiro.
“É cediço que o deferimento do pleito liminar em sede de habeas corpus, em razão da sua excepcionalidade, enseja a demonstração e comprovação, de plano, do alegado constrangimento ilegal, o que não ocorre in casu. Ante o exposto, indefere-se a liminar”, afirmou o magistrado.
Chacina
Em novembro, a Terceira Seção julgou improcedente o incidente de deslocamento de competência (IDC) apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) para transferir a investigação, o processamento e o julgamento do crime conhecido como Chacina do Cabula, ocorrido na Bahia, para a esfera federal.
Para o colegiado, não houve o preenchimento de um dos três requisitos autorizadores do deslocamento de competência, por não haver evidências de que os órgãos do sistema de Justiça estadual careçam de isenção ou das condições necessárias para desempenhar as funções de apuração, processamento e julgamento do caso.
O crime aconteceu em fevereiro de 2015, no bairro do Cabula, em Salvador, e resultou na morte de 12 pessoas entre 15 e 28 anos, além de seis feridos. Nove policiais militares integrantes da Rondesp (Rondas Especiais da PM/BA) são acusados de participar da chacina em operação realizada na noite do dia 5 e na madrugada do dia 6 de fevereiro de 2015.
Para o relator do IDC, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, mesmo que as investigações conduzidas pela Polícia Civil baiana tenham negligenciado a coleta de provas que pudessem incriminar os policiais, tal fato não teria causado prejuízo para a formação da convicção do Ministério Público, que não só promoveu a sua própria apuração como também obteve as provas suficientes para oferecer a denúncia contra os envolvidos.
ICMS Crime
Nos casos de não repasse do ICMS aos cofres públicos, configura-se o crime previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, quando o agente se apropria do valor referente ao tributo, ao invés de recolhê-lo ao fisco.
A diferença entre o mero inadimplemento fiscal e a prática do delito, que não se vincula à clandestinidade ou não da omissão no repasse do ICMS devido, deve ser aferida pelo simples dolo de se apropriar dos respectivos valores, o qual é identificado pelas circunstâncias fáticas de cada caso concreto.
Com esse entendimento, a Terceira Seção negou, em agosto, um habeas corpus a dois empresários que alegaram que o não recolhimento de ICMS em operações próprias, devidamente declaradas ao fisco, não caracterizaria crime, mas apenas inadimplemento fiscal.
“O fato é típico e, em princípio, não há causa excludente da ilicitude, impondo-se ressaltar que o dolo de se apropriar há de ser reconhecido com base no substrato probatório obtido após a instrução criminal”, fundamentou o relator do caso, ministro Rogerio Schietti Cruz.
Imagem para o Destaque
APn 866; APn 857; HC 434766; RMS 55019; RHC 89981; CC 161123; HC 438166; HC 444215; RHC 94939; HC 399109; IDC 10; APn 878;
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