Os pedidos de suspensão de liminar e de sentença são da competência do presidente do STJ. O ministro Francisco Falcão votou pela manutenção da decisão do seu antecessor na presidência, ministro Felix Fischer, tomada em agosto passado.
O STJ atendeu pedido da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por entender que as decisões trariam lesão à ordem pública. A Santo Antônio Energia recorreu, e o agravo foi levado a julgamento na Corte Especial. Os ministros Felix Fischer, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Raul Araújo votaram com o relator. Apenas o ministro João Otávio de Noronha votou favoravelmente à empresa.
Questões técnicas
A controvérsia gira em torno da apuração do FID da hidrelétrica de Santo Antônio, um fator absolutamente peculiar da atividade de produção de energia elétrica. O FID é um percentual e indica o quanto de tempo a usina deve estar apta a gerar energia, para atingir a quantidade acertada no momento da licitação. A empresa contesta o cálculo do FID durante o período de motorização, isto é, de instalação das turbinas – somente em 2016, as 50 turbinas da unidade estarão em operação.
No caso da hidrelétrica de Santo Antônio, o índice é de 99,5%. No entanto, a disponibilidade média apurada tem sido em torno de 90%. O contrato de concessão prevê que se o índice de disponibilidade for inferior ao considerado no cálculo da energia assegurada, a usina estará sujeita à aplicação do Mecanismo de Redução da Energia Assegurada (MRA), ocasionando perda de receita. Trata-se de uma espécie de penalidade aplicada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Esse valor já estaria em R$ 1,2 bilhão.
Em seu voto, o ministro Falcão advertiu que os questionamentos técnicos relacionados à metodologia utilizada pela Aneel para apurar o FID não devem ser feitos em pedido de suspensão de liminar. “Há necessidade de dilação processual regular”, explicou.
Além disso, o presidente entende que é preciso assegurar o princípio da presunção de legalidade e legitimidade do ato administrativo, porque no debate entre as partes a concessionária de energia não demonstrou de forma cabal que a autarquia tenha incorrido em equívoco.
O ministro Falcão citou o julgamento da SS 2.727, tratando de matéria semelhante, em que a Santo Antônio Energia obteve liminar do TRF1 para suspender as obrigações decorrentes do descumprimento do cronograma das obras da usina. Naquele julgamento, a Corte Especial reconheceu que “causa grave lesão à ordem e à economia pública a decisão que adentra na seara técnica de regulação do mercado de energia elétrica”.
Efeito multiplicador
O ministro também advertiu para o risco do efeito multiplicador que pode ter uma modificação artificial das “regras do jogo” para uma única hidrelétrica, em detrimento de todo o sistema. Para ele, isso traz “insegurança jurídica e administrativa, com graves reflexos para o setor, podendo onerar terceiros e a própria sociedade com eventuais repasses decorrentes dos custos da falta de performance da agravante”.
Em outro ponto, a Santo Antônio Energia pediu que fosse reconhecido o efeito da suspensão pelo STJ apenas a partir da data em que foi decidida. No entanto, o ministro Falcão esclareceu que não é possível reconhecer efeitos apenas prospectivos, porque a suspensão tem o objetivo de preservar a situação jurídica que se encontrava em vigor antes da liminar atacada pelo pedido.
Antecipação de tutela
A Usina Hidrelétrica Santo Antônio localiza-se no rio Madeira, em Porto Velho. A Santo Antônio Energia S/A ajuizou ação na Justiça Federal do Distrito Federal visando a afastar a aplicação do FID. O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi negado em primeira instância, mas o TRF1 deu cinco decisões em que deferiu a medida de urgência pretendida pela empresa e detalhou como ela deveria ser aplicada.
As decisões do TRF1 suspenderam qualquer exigência decorrente da apuração, exclusivamente, do FID relativo ao período de motorização da UHE Santo Antônio, desde 30 de março de 2012, impedindo ainda a CCEE de transferir para terceiros o valor do respectivo débito, bem como de repassar eventuais créditos à Santo Antônio S/A até o julgamento final do recurso.
Daí o pedido de suspensão de liminar formulado pela Aneel ao STJ. Segundo a agência, a manutenção da decisão acarretava grave lesão à ordem pública, pois, além de prejudicar a normal execução do serviço público, implica “nítida ofensa às regras de comercialização de energia elétrica, segundo as quais a usina participante do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) está sujeita à aplicação do MRA, quando seu índice de disponibilidade for inferior ao valor de referência considerado no cálculo da energia assegurada, inclusive durante o período de motorização”.
Reflexos
A Aneel ainda esclareceu que as regras do sistema MRE impedem que a CCEE se abstenha de transferir os débitos aos demais agentes participantes, uma vez que a contabilização é multilateral, com reflexos em todo o sistema.
A Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, acompanhada de outras sociedades empresárias do ramo, também defendeu nos autos a suspensão das decisões do TRF1, pois todas são integrantes do MRE. De acordo com a associação, as decisões permitiam que a Santo Antônio S/A comercializasse energia produzida à custa de outros participantes.
A suspensão dos efeitos das decisões do TRF1, agora pela Corte Especial, não interfere no andamento normal do processo nas instâncias ordinárias.