O colegiado determinou a transferência imediata à Polícia Federal, sob a fiscalização do Ministério Público Federal e sob a jurisdição do juízo federal criminal, do inquérito policial envolvendo o desaparecimento de Célio Roberto; do procedimento inquisitivo que trata do crime de tortura contra Michel Rodrigues da Silva; e do inquérito policial que apura o desaparecimento de Pedro Nunes da Silva e Cleiton Rodrigues.
As demais ações penais e inquéritos citados no incidente de deslocamento continuam a tramitar na esfera estadual, pois os ministros não identificaram ineficácia ou incapacidade por parte das autoridades de Goiás.
Entretanto, a Seção recomendou ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e ao Ministério Público estadual, assim como aos juízes criminais e desembargadores, que deem prioridade a essas ações.
O incidente
O incidente foi suscitado por Roberto Gurgel, então procurador-geral da República, diante da inércia estatal para investigar, julgar e punir casos que, em sua maioria, envolviam policiais militares e sistemáticas violações aos direitos humanos cometidas por eles durante a atuação em operações repressivas no estado, além de suas participações em grupos de extermínio.
Em suas razões, o Ministério Público Federal (MPF) demonstrou que os dois requisitos autorizadores do deslocamento de competência, conforme estabelece o parágrafo 5º do artigo 109 da Constituição Federal, estão presentes: a constatação de grave violação aos direitos humanos e a possibilidade de responsabilização do Brasil em decorrência do descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais dos quais o país é signatário.
De acordo com o ministro Jorge Mussi, relator do incidente de deslocamento de competência, a possibilidade de federalização dos crimes surgiu como um meio de “reparo à suposta fragilidade das instituições”.
A Constituição Federal estabelece que, “nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o STJ, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”.
Dessa maneira, segundo Mussi, as causas ligadas a direitos humanos competem, à princípio, aos juízes estaduais. “Porém, havendo grave desrespeito a tais direitos, o Procurador-Geral pode suscitar, discricionariamente, o incidente”, explicou.
Requisitos
O ministro afirmou que o principal requisito para o acolhimento de um incidente constitucional é a sua excepcionalidade. “Tanto é que a sua propositura exige não só a existência de grave violação a direitos humanos, mas também a necessidade de assegurar o cumprimento de obrigações internacionais avençadas, estando-se diante de omissão ou incapacidade das autoridades responsáveis pela apuração dos ilícitos”, observou.
Nesse sentido, Mussi expôs que a primeira exigência para a acolhida do incidente foi a ocorrência de grave violação a direitos humanos na prática dos crimes de tortura e homicídio. Esses crimes “por si sós geram grande repúdio e repercussão perante a sociedade, pois atingem o sagrado direito à vida e à dignidade da pessoa humana”, alertou.
A exigência de cumprimento de obrigações internacionais se faz presente com o acordo subscrito pelo Brasil, chamado de Pacto de São José da Costa Rica, para a garantia desses direitos.
O ministro lembrou ainda a terceira exigência, verificada nesses três casos a serem federalizados: a demonstração “inequívoca da total incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas às ocorrências de grave violação aos direitos humanos” nesses três casos específicos.
Os demais casos
O incidente de deslocamento de competência tratou ainda sobre os seguintes casos, que permanecem na competência da Justiça Estadual:
1) Apuração dos homicídios de William Pereira Nunes, Fernandode Souza, Davi Sebba Ramalho, Valério Luiz, Marta Maria Cosac, Henrique Talone Pinheiro e Higino Carlos Pereira de Jesus;
2) Apuração dos desaparecimentos de Murilo Soares Rodrigues e de Paulo Sérgio Pereira Rodrigues;
3) Ação penal envolvendo tortura contra usuários de entorpecentes dentro da Borracharia Serra Dourada;
4) Apuração de 24 homicídios de pessoas em situação de rua no estado de Goiás;
5) Ação penal em que se apura a morte de Ronaldo Lopes;
6) Ação penal deflagrada contra o policial militar Alessandro da Rocha Almeida em função do caso Parque Oeste Industrial;
7) Todas as investigações envolvendo grupos de extermínio formados por policiais militares no estado de Goiás, incluindo a ação penal relacionada à Operação Sexto Mandamento;
8) Apuração da tortura praticada contra Wenderson dos Santos Silva;
9) Apuração e repressão à violência policial e/ou grupos de extermínio e que resultaram em torturas ou homicídios no estado, inclusive os feitos instaurados e arquivados, bem como àqueles referentes a fatos ainda não objeto de qualquer investigação ou ação penal.