De acordo com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Carlos Ferreira, o instituto do adimplemento substancial (substancial performance) não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica do contrato, que prevê o integral e regular cumprimento de seus termos como meio esperado de extinção das obrigações.
O ministro manifestou essa posição no julgamento de recurso especial em que se debatia a incidência da teoria do adimplemento substancial, que pode, eventualmente, restringir a prerrogativa da rescisão contratual autorizada pela primeira parte do artigo 475 do Código Civil de 2002.
A Quarta Turma considerou que a dívida em discussão, correspondente a mais de 30% do total do valor do contrato de compra e venda de imóvel, afasta a possibilidade de se aplicar a teoria, e, por isso, negou provimento ao recurso de devedora.
Polêmica
O ministro mencionou o primeiro acórdão do STJ tratando da teoria do adimplemento substancial, julgado em dezembro de 1995 pela Quarta Turma. No caso, que ele considerou um “clássico da jurisprudência”, dois segurados moveram ação para receber a cobertura devida em razão de acidente de veículo (REsp 76.362).
Eles tinham deixado de pagar a última parcela do sinistro, o que foi confessado na petição inicial. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso considerou que o segurado tem obrigação primordial de pagar o prêmio do seguro e que, sem esse pagamento, não pode exigir a contrapartida da seguradora. O recurso dos segurados foi provido no STJ com amparo na doutrina do adimplemento substancial.
Peculiaridades
Segundo o ministro Antonio Carlos Ferreira, o STJ ainda não tem jurisprudência pacificada quanto ao requisito objetivo para aplicação da teoria. Para ele, isso se dá “pelo fato de que, em cada caso aqui julgado, há peculiaridades muito próprias a serem consideradas para efeito de avaliar a importância do inadimplemento frente ao contexto de todo o contrato e os demais elementos que envolvem a controvérsia”.
Além disso, de acordo com o ministro, o julgamento sobre a relevância do descumprimento contratual não se deve prender ao exame exclusivo do critério quantitativo, principalmente porque determinadas hipóteses de violação podem, eventualmente, afetar o equilíbrio contratual e inviabilizar a manutenção do negócio.
“Há outros tantos elementos que também envolvem a contratação e devem ser considerados para efeito de se avaliar a extensão do adimplemento; um exame qualitativo que, ademais, não pode descurar dos interesses do credor”, defendeu o ministro.
Requisitos
Com base no julgamento pioneiro do STJ, Antonio Carlos Ferreira explicou que a aplicação dessa teoria exige o preenchimento de alguns requisitos: existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; o valor do inadimplemento deve ser ínfimo em relação ao total do negócio; e, ainda, deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários.
Contudo, em relação ao caso analisado agora pela Quarta Turma, o ministro sustentou que “é incontroverso que a devedora inadimpliu com parcela relevante da contratação, o que inviabiliza a aplicação da referida doutrina, independentemente da análise dos demais elementos contratuais”.