Seminário discute impacto das ações judiciais desnecessárias na eficiência do Judiciário
02/05/2018 08:06
 
 
12/04/2019 06:09

...

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Fundação Getúlio Vargas – FGV Projetos promoverão no próximo dia 21 o seminário Acesso à Justiça: o Custo do Litígio no Brasil e o Uso Predatório do Sistema Justiça.

O evento vai discutir, entre outros temas, o fenômeno da judicialização e o impacto da avalanche de demandas desnecessárias na eficiência do Poder Judiciário. Discutirá soluções para o problema, além de meios alternativos para a resolução de conflitos.

A coordenação científica do seminário está a cargo dos ministros do STJ Luis Felipe Salomão e Villas Bôas Cueva e do conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Henrique Ávila. O evento vai ocorrer das 8h30 às 19h, no auditório do STJ, em Brasília.

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas aqui.

Confira a programação completa.

Os professores Luciano Timm (FGV) e Flávio Yarshell (Universidade de São Paulo), palestrantes convidados para o evento, comentam, a seguir, alguns dos tópicos que serão abordados.

O que os senhores definem como “uso predatório da Justiça”?

Luciano TimmA teoria econômica trata do fenômeno da “tragédia dos comuns” ou da “tragédia dos baldios” (como preferem os portugueses), que significa a superutilização ou, melhor dizendo, o excesso de utilização de bens públicos por agentes privados autointeressados que atuam sem levar em conta o impacto de seu agir para o conjunto da sociedade (atitude essa que acaba gerando externalidades negativas). Nesse sentido, a Justiça, como bem público, pode ser usada, ou mais especificamente superutilizada, por indivíduos que buscam maximizar seus interesses, o que acarreta prejuízos à sociedade, que vê o bem público escassear. Pense-se num pasto público em que todos os produtores rurais alimentam seu gado; em algum momento, na ausência de alguma regra ou controle, haverá exaustão do recurso.

Flávio YarshellA etimologia da palavra “predar” remete ao significado de pilhar, roubar. O emprego da palavra, no contexto em questão, pode se prestar a designar uma disfunção do sistema, em que determinados agentes sociais e/ou econômicos se valem do aparato judiciário para obter proveito indevido, com transferência de custos próprios para o Estado e/ou para terceiras pessoas. De certa forma, a expressão designa uma forma de abuso ou de desvirtuamento do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e da garantia de acesso à Justiça.

Quais são os custos desse uso predatório?

Luciano TimmComo parte substancial da Justiça privada (descontando, portanto, o uso predatório pelo poder público) é subsidiada porque composta por litigantes que fazem uso da assistência judiciária gratuita, o maior ônus é para o contribuinte, mas a Justiça acaba sofrendo com a perda de tempo dos juízes e igualmente uma consequente perda de qualidade nas decisões. Alguns dados sugerem que a Justiça brasileira chega a custar cerca de 1,2% do PIB. Também há alguns custos “escondidos” que dizem respeito à insegurança judiciária, ao ambiente de negócios, que são difíceis de quantificar, mas que prejudicam a percepção do investidor nacional e estrangeiro.

Flávio YarshellO desvirtuamento do acesso à Justiça gera prejuízos generalizados, que são suportados pelo Estado e, de forma mais ampla, por toda a sociedade. A sobrecarga do Judiciário impede que ele funcione a contento porque prejudica a qualidade e a tempestividade da prestação jurisdicional.

Quais são as principais ações que não deveriam estar sobrecarregando o Judiciário?

Luciano TimmÉ preciso discutir um critério objetivo e uniforme de pobreza para fins de litigância sob o benefício da assistência judiciária gratuita, bem como a necessidade de se observarem precedentes. Idealmente, casos que não deveriam estar no Judiciário são casos já julgados em última instância com jurisprudência consolidada, casos em que indivíduos usam o Poder Judiciário para não cumprir com suas obrigações ou mesmo em que o Poder Judiciário se revela desnecessário para a solução dos conflitos. O presente sucesso da arbitragem e o futuro sucesso da mediação indicam que muitos casos privados poderiam ser resolvidos fora do Poder Judiciário.

Flávio YarshellA sobrecarga do Judiciário, antes de tudo, deve ser vista à luz dos mecanismos aptos a proporcionar soluções não adjudicadas de controvérsias. Se os tribunais estão sobrecarregados, isso é indicativo de que tais mecanismos não existem ou que não funcionam a contento. Para ilustrar, questões que se inserem no campo de atuação das agências reguladoras, se o sistema funcionasse adequadamente, poderiam não chegar ao Judiciário. Se o modelo de tutela coletiva fosse eficaz, o volume de demandas individuais relacionáveis àquela também poderia ser excluído ou limitado. Se houve mecanismos mais eficientes de sancionar a inadimplência – sob a ótica jurídica e econômica –, isso também poderia contribuir para evitar um volume que não deveria chegar ao Judiciário.

Que caminhos os senhores apontam como forma de desafogar a Justiça?

Luciano TimmA discussão será feita no evento, a partir da opinião de acadêmicos. Estudos anteriores apresentados ao CNJ sugerem o reforço dos precedentes, a aplicação estrita dos honorários de sucumbência previstos no Código de Processo, critérios mais objetivos para concessão da Justiça gratuita, entre outros. Mas antes de se falar de cultura, que é algo que demora muito a ser transformado, é preciso pensar em estrutura de incentivos e como desenhar uma política judiciária que funcione para o juridiscionado.

Flávio YarshellAlém dos já mencionados, se a jurisprudência atingisse um nível razoável de uniformidade e estabilidade, isso também poderia contribuir para a diminuição do volume de demandas. Adicionalmente, é possível trabalhar com incentivos e desincentivos dirigidos às partes e mesmo ao órgão judicial, como forma de se obter a racionalização da atividade jurisdicional.