Participantes de seminário apontam soluções para uso predatório do sistema judicial no Brasil
14/05/2018 08:11
 
 
12/04/2019 06:12

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A aplicação do direito sem a intervenção do sistema judiciário, o desenvolvimento de mecanismos extrajudiciais de autocomposição e a ampliação da cultura de respeito aos precedentes são algumas das alternativas apontadas para combater o uso indiscriminado da Justiça no Brasil, na visão da advogada e professora Teresa Arruda Alvim e do juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Fernando Gajardoni. Os dois são palestrantes do seminário Acesso à Justiça: o Custo do Litígio no Brasil e o Uso Predatório do Sistema Justiça, que acontece no Superior Tribunal de Justiça (STJ) no próximo dia 21.

Em um país com aproximadamente 80 milhões de processos judiciais em tramitação (dados do relatório Justiça em Números 2017), o juiz Fernando Gajardoni – participante do painel “Otimização do Sistema de Justiça: Juizados Especiais, Defensorias Públicas e Meios Adequados de Solução de Conflitos” – aponta que não há apenas uma solução para resolver o problema de estruturação do acesso ao Poder Judiciário. Uma das alternativas apontadas pelo magistrado é a aplicação da lei e de eventuais sanções sem necessariamente haver a intervenção judicial, como no caso dos órgãos de regulação.

“As agências reguladoras são extremamente mal aproveitadas no Brasil. Elas têm pouco poder sancionatório, pouco poder de solução dos conflitos e, caso não consigam decidir as disputas, acabam necessariamente desaguando no Poder Judiciário. Por isso, é necessário o fortalecimento do papel das agências reguladoras e dos órgãos governamentais de controle, especialmente de serviços públicos como telefonia, bancos e educação”, afirma o juiz.

Novo CPC

Palestrante do painel “Racionalização do Sistema Judicial Mediante o Gerenciamento do Processo”, a advogada Teresa Alvim lembra que algumas das soluções já estão integradas aos dispositivos legais mais modernos, a exemplo do novo Código de Processo Civil.

Entre tais instrumentos, a advogada destaca o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) como forma de enfrentamento de demandas de massa pelos tribunais de segundo grau. No âmbito dos tribunais superiores, Alvim também cita o aprimoramento legal da gestão dos recursos repetitivos, como vem realizando o STJ nos casos em que há multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito.

“Mas leis não fazem milagres. A cultura do respeito aos precedentes é imprescindível e, por isso, deve ser assimilada para que tudo possa dar certo, a começar pelos próprios tribunais superiores, que devem respeitar efetivamente seus precedentes e, definitivamente, evitar que haja divergências entre órgãos fracionários”, afirma a professora.

Soluções extrajudiciais

De acordo com Gajardoni, também é necessário incentivar que os mecanismos de autocomposição – como a conciliação e a mediação – sejam estruturados, inclusive fora do Poder Judiciário.

O juiz lembra que os centros judiciários de solução de conflito – regulados pela Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – são uma alternativa de âmbito interno, gerenciada pelo próprio Judiciário, mas é necessário que outras instituições participem dos processos de resolução de demandas.

“Não há impedimento nenhum para que outros órgãos que não integrem o Poder Judiciário possam trabalhar nesse esquema de mediação e conciliação. Centros comunitários, centros religiosos, sindicatos, associações e organizações de classe também podem estruturar sistemas de solução de litígios”, ressalta o magistrado.

Segundo Gajardoni, os principais órgãos extrajudiciais atualmente legitimados para solução de conflitos, como as câmaras de mediação e conciliação, são pagos. Devido ao custo normalmente elevado, pondera o magistrado, há o impedimento de que grande parte da população tenha acesso aos centros e, por consequência, mantém-se elevada a busca pela via judicial estatal. Todavia, o simples barateamento pode não trazer consequências absolutamente positivas.  

“Temos que baratear os mecanismos extrajudiciais de conciliação. Todavia, quando barateia, você corre o risco de perder a confiança que a população tem que ter nesses centros. Talvez esse seja um dos grandes temas para se debater no seminário”, avalia o juiz.

Troca de experiências

Para Teresa Alvim, encontros como o seminário Acesso à Justiça permitem que os diferentes operadores do direito – juízes, advogados, promotores, entre outros – possam trocar opiniões e experiências sobre a racionalização da utilização do sistema judicial.

“No direito, não há verdades absolutas, há convenções. Há necessidade de cooperação para se atingirem fins que vão ao encontro dos interesses de todos: Justiça mais célere, decisões iguais para casos iguais, entre outros”, aponta a advogada.

Uma das experiências que devem ser trazidas ao seminário pelo juiz Fernando Gajardoni é a de monitoramento de demandas repetitivas atualmente realizada pelo TJSP. O magistrado conta que, por meio de órgão ligado à Corregedoria Geral de Justiça, o tribunal mapeia a repetição de conflitos no estado e emite uma espécie de “alerta” para juízes e desembargadores sobre temas que podem representar uso predatório do sistema.

“O mecanismo já foi utilizado em casos de medicamentos e em ações de exibição de documentos contra instituições financeiras. Nesses dois tipos de ações, um único escritório de advocacia chegou a mover centenas de milhares de processos perante o Poder Judiciário. Depois, através de pesquisas, chegou-se à conclusão de que em muitas dessas ações a parte não tinha dado sequer procuração para os advogados que estavam ajuizando”, apontou Gajardoni.

Para o juiz, esse acompanhamento estratégico da movimentação judiciária é fundamental e, nesse contexto, a participação das corregedorias judiciárias regionais e do CNJ é relevante para o monitoramento e a discussão entre juízes, desembargadores e ministros sobre as possíveis soluções para o tratamento das demandas múltiplas. 

O seminário

Promovido pelo STJ e pela Fundação Getúlio Vargas, o seminário Acesso à Justiça: o Custo do Litígio no Brasil e o Uso Predatório do Sistema Justiça tem por objetivo a discussão do fenômeno cultural da judicialização no país e o impacto de ações judiciais desnecessárias na eficiência do Poder Judiciário.

Durante o evento, serão debatidos temas como a racionalização do sistema de Justiça mediante o gerenciamento do processo; o problema da judicialização da saúde; os caminhos para a desjudicialização; o papel dos juizados especiais e das Defensorias Públicas para a otimização do sistema, além de meios alternativos para a solução de conflitos.

A coordenação científica do seminário está a cargo dos ministros do STJ Luis Felipe Salomão e Villas Bôas Cueva e do conselheiro do CNJ Henrique Ávila. O evento acontecerá das 8h30 às 19h, no auditório externo do STJ, em Brasília.

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas aqui.

Confira a programação completa.