No primeiro dia de realização do XV Seminário Internacional Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos, a corregedora nacional de Justiça (CNJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidiu o painel sobre o tema "Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e Gestão de Dados no Judiciário", acompanhada pelo ministro Villas Bôas Cueva, que proferiu a palestra inaugural.
Promovido pelo STJ de forma semipresencial, o evento está sendo realizado em dois dias, com transmissão ao vivo pelo canal do STJ no YouTube. A programação tem como tema principal as relações jurídicas sob a realidade digital.
Em sua fala, Villas Bôas Cueva destacou a evolução histórica e legislativa da regulamentação de dados no país e abordou os desafios do Judiciário na garantia da proteção dos direitos fundamentais de liberdade e privacidade.
"É preciso compatibilizar o interesse da proteção de direitos dos titulares dos dados com a política de dados abertos, da qual o Brasil é um dos proponentes principais, que representa um dos elementos centrais para o desenvolvimento da inteligência artificial na área da administração da Justiça e na criação de modelos da Justiça digital" afirmou.
Também atuaram como expositores nesse primeiro painel o professor Juliano Maranhão, da Universidade de São Paulo (USP); a professora Celina Bottino, do Instituto de Tecnologia e Sociedade, e Luiz Garcia, secretário de Tecnologia da Informação do Conselho da Justiça Superior do Trabalho.
"As implicações das tecnologias no direito autoral" foram discutidas em seguida, em mesa presidida pelo professor Carlos Fernando Mathias de Souza, desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e presidente do Instituto Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos.
O ministro Moura Ribeiro fez uma exposição sobre o impacto das redes sociais no direito autoral, apresentando acórdãos do STJ para ilustrar a evolução do entendimento da corte a respeito da matéria.
Segundo o magistrado, o direito autoral vem sendo fortemente impactado pelos avanços trazidos pela internet em relação a diversas formas de criação, consumo e disponibilização de obras intelectuais. "Ele vem sofrendo transformações, e o STJ está cada vez mais atento a respeito do tema", ressaltou o ministro.
Participaram do painel a professora da USP Silmara Chinellato, presidente da Comissão de Propriedade Intelectual do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP); o diretor do Centro de Formação e Gestão Judiciária do STJ (Cefor), Alexandre Veronese, e o advogado Roberto Correa de Mello.
O professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Roberto Rosas mediou o painel que discutiu "Herança digital no direito comparado".
A professora Laura Schertel Mendes, também da UnB, falou sobre a relação da herança digital com o Código Civil e a LGPD. Segundo ela, é preciso debater qual seria a destinação mais apropriada para os dados digitais produzidos durante a vida da pessoa. No direito brasileiro – observou a docente –, uma série de normas podem ser invocadas quando se trata de legado digital, apesar de ainda não haver uma interpretação clara quanto à legislação existente se aplicar ou não aos dados do falecido.
Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Karina Fritz discorreu sobre casos envolvendo a questão da herança digital e os interesses patrimoniais das mídias sociais sobre os dados dos usuários. Segundo ela, na Alemanha, todos os dados guardados em nuvem são transmitidos automaticamente para os herdeiros – salvo se houver disposição expressa contrária do falecido. A tese foi fixada em julho de 2018 pelo tribunal alemão que trata das questões infraconstitucionais. "Há uma tendência mundial de transmitir os dados digitais aos herdeiros", explicou.
Para o professor Alexandre Dias, da Universidade de Coimbra, a herança digital envolve o debate sobre a quem pertencem os dados pessoais após a morte dos usuários de plataformas digitais. Ele afirmou que em Portugal, desde 2019, seguindo a tendência mundial, a legislação estabelece que os direitos de acesso, retificação e apagamento de dados devem ser exercidos por quem o falecido tenha designado, ou pelos respectivos herdeiros.
Mediado pelo ministro Raul Araújo, o segundo painel da tarde tratou do tema "A prestação jurisdicional no cenário da transformação digital". Para o magistrado, em uma sociedade de massa, com a crescente complexidade das relações sociais, os auxílios tecnológicos são essenciais, sendo indispensáveis para o sistema de Justiça.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou, a partir da sua experiência pessoal e profissional, a importância da urna eletrônica para eleições limpas e transparentes. Ao comparar o sistema tradicional de votação manual e os avanços trazidos pelas urnas eletrônicas, o magistrado ponderou que o debate sobre esse tema, hoje, chegou com 25 anos de atraso.
"Se ainda remanesce alguma dúvida acerca da confiabilidade da urna eletrônica, isso se resolve com mais tecnologia para o controle das eleições, e não com retrocesso a um processo arcaico e pouco confiável em todas as suas etapas", ponderou.
A professora Debora Bonat, da UnB, falou sobre o processo eletrônico no Judiciário, que foi um grande divisor de águas para a democratização do acesso à Justiça. No entanto, afirmou que o processo foi pensado apenas como uma mudança de modelo, do físico para o eletrônico, o que acarreta dificuldades para a curadoria de dados no uso da inteligência artificial.
Por fim, a professora Fernanda Mathias de Souza Garcia, do UniCEUB, explicou o funcionamento da aprendizagem pela máquina, que utiliza modelos de similaridade semântica, a partir de peças pré-selecionadas. Para ela, o uso da inteligência artificial é fundamental para que os tribunais superiores, como o STJ, possam criar precedentes, em vez de ficar aplicando modelos em matérias sedimentadas.
O último painel do primeiro dia do evento teve como tema "Aplicações da inteligência artificial no direito". A mediação foi do subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha.
Os debates foram iniciados pelo professor Fabiano Hartmann, da UnB, que falou sobre a importância de desmistificar a inteligência artificial, o papel de apoiador comportamental no Judiciário e os limites que podem ser estabelecidos para o uso dessa tecnologia. Ele também citou projetos que usam a inteligência artificial no direito brasileiro, como o Projeto Victor – fruto de uma parceria entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a UnB.
Em seguida, o professor Jose Júlio Fernandez, da Universidade de Santiago de Compostela, apresentou um panorama dos debates que ocorrem na União Europeia sobre aspectos constitucionais da inteligência artificial – tecnologia que permite que os sistemas resolvam problemas e atuem para um propósito específico, impactando determinadas áreas do direito.
O professor André Dias Pereira, da Universidade de Coimbra, concluiu o painel apresentando questões sobre a utilização da inteligência artificial no direito da saúde. "A IA é um dos pilares que podem proporcionar grandes mutações na pessoa humana nas próximas décadas", declarou, completando que os direitos dos cidadãos podem ser afetados por esses instrumentos tecnológicos avançados. "A IA vai levar a uma mudança no direito da responsabilidade civil", afirmou.