A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a competência da Justiça Federal para processar e julgar crime de esbulho possessório de imóvel financiado pelo programa Minha Casa Minha Vida. Para o colegiado, enquanto o imóvel estiver vinculado ao programa, cuja compra envolve subsídio federal e posse indireta da Caixa Econômica Federal (CEF), persistirá a competência federal.
O conflito foi suscitado no STJ pelo juízo federal de Campo dos Goytacazes (RJ), após o juízo estadual declinar da competência para analisar o caso de uma mulher que teria sido forçada por invasores, mediante ameaças e intimidações, a deixar o imóvel financiado no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida.
Para o juízo estadual, por ser o programa habitacional implementado pela CEF, mediante contratos de mútuo, o crime ofende bens, interesses e serviços da União. Além disso, argumentou que o banco estatal tem direito à reintegração de posse de imóveis comprados pelo programa.
O juízo federal, no entanto, sustentou que a vítima do crime é quem tem a posse direta do bem – no caso, a particular obrigada a deixar o imóvel.
O delito em discussão está descrito no artigo 161, parágrafo 1°, inciso II, do Código Penal, que tipifica a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas.
Segundo a relatora do conflito de competência, ministra Laurita Vaz, "o crime de esbulho possessório pressupõe uma ação física de invadir um terreno ou edifício alheio, no intuito de impedir a utilização do bem pelo seu possuidor. Portanto, tão somente aquele que tem a posse direta do imóvel pode ser a vítima, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem".
Na hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, a ministra ressaltou que, enquanto o devedor fiduciante permanecer na posse direta, só ele poderá ser vítima do crime. Apenas se o credor fiduciário passar a ter a posse direta do bem é que será ele a vítima.
Entretanto, Laurita Vaz ponderou que o fato de o credor fiduciário não ser a vítima do crime não exclui o seu interesse jurídico no afastamento do esbulho, uma vez que o possuidor indireto, no âmbito civil, da mesma forma que o possuidor direto, tem legitimidade para propor a ação de reintegração de posse, prevista no artigo 560 do Código de Processo Civil – hipótese de legitimação ativa concorrente.
No caso em análise, a relatora comentou que a CEF, na condição de credora fiduciária e possuidora indireta, tem legitimidade para propor eventual ação de reintegração de posse do imóvel esbulhado na Justiça civil, tanto quanto a vítima do crime – ou seja, a possuidora direta e devedora fiduciante.
"Essa legitimação ativa concorrente da empresa pública federal, embora seja na esfera civil, é suficiente para evidenciar a existência do seu interesse jurídico na apuração do referido delito. E, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição, a existência de interesse dos entes nele mencionados é suficiente para fixar a competência penal da Justiça Federal", declarou.