Por não identificar violação aos chamados direitos difusos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia condenado a PespiCo do Brasil a pagar danos morais coletivos de R$ 5 milhões pela colocação no mercado de lotes da bebida achocolatada Toddynho contaminados com bactéria capaz de causar intoxicação alimentar.
Para o colegiado, o caso envolve a violação de direitos de consumidores que podem ser individualmente identificados e reparados pela compra ou pelo consumo do produto, o que afasta a configuração da ofensa difusa que justificaria a indenização por danos morais coletivos.
A ação contra a PepsiCo foi ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, segundo o qual a contaminação – por uma bactéria extremamente nociva à saúde – teria acontecido por resfriamento inadequado do produto.
Ainda segundo o MP, diante da gravidade dos fatos e da grande repercussão junto aos consumidores, a empresa realizou recall dos produtos, comunicando o fato em veículos de comunicação de todo o país, inclusive em jornais de grande circulação e no seu próprio site.
Em primeiro grau, o juízo condenou a PepsiCo a indenizar os danos causados aos consumidores, a serem apurados em liquidação individual. Além disso, a empresa foi condenada ao pagamento de dano moral coletivo de R$ 500 mil, valor que foi aumentado pelo TJRS para R$ 5 milhões.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso da empresa, explicou que a caracterização do dano extrapatrimonial coletivo ocorre no momento da injusta lesão a valores fundamentais da coletividade, independentemente da constatação de efeitos concretos negativos gerados pela conduta ilícita.
"Ademais, para a configuração do dano moral coletivo, independentemente do número de pessoas concretamente atingidas pela lesão, o mal decorrente da conduta antijurídica deve afetar de maneira inescusável, intolerável e significativa valores e interesses coletivos fundamentais", declarou o magistrado.
Ele apontou precedentes do STJ no sentido de que, para a caracterização do dano moral coletivo, não basta a mera infringência à lei ou ao contrato, sendo essencial que o ato praticado atinja alto grau de reprovabilidade e transborde dos limites individuais.
Nos termos do artigo 81, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor – acrescentou Salomão –, os interesses ou direitos difusos são caracterizados como aqueles transindividuais, de natureza indivisível, dos quais sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
"Tomando os conceitos elaborados pela doutrina, chama especial atenção uma das características dos direitos difusos: a natureza indivisível do objeto, que se traduz, em suma, pela impossibilidade de fracionar o direito entre os membros que compõem a coletividade envolvida", afirmou o relator.
Contudo, no caso dos autos, o magistrado considerou "perfeitamente possível" a individualização dos efeitos e também das pessoas supostamente atingidas: são os consumidores do produto contaminado – tanto aqueles que ingeriram a bebida quanto aqueles que apenas a compraram, mas sem bebê-la, como recentemente decidido pela Segunda Seção no REsp 1.899.304.
Em seu voto, Salomão ponderou que o não reconhecimento do dano moral coletivo não diminui a gravidade do evento, tampouco significa que os consumidores não tenham sido vítimas de conduta reprovável por parte da empresa.
"Assim, reitere-se que o reconhecimento da não configuração do dano coletivo não retira do lamentável acontecimento sua potencialidade de causar danos individualmente considerados, tanto de natureza material quanto moral, a serem examinados em cada caso", concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso da empresa e afastar a indenização de caráter coletivo.