A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou válida a fiança prestada pelos sócios de uma empresa para garantir um negócio de compra e venda cujo instrumento de fiança indicou, como afiançada, uma de suas filiais, sediada em Betim (MG), enquanto a transação comercial foi feita por outra filial, localizada em Contagem (MG).
O recurso analisado pelo STJ teve origem na execução de duplicatas representativas do negócio. Os sócios sustentaram a sua ilegitimidade passiva para responder pelo débito, sob o argumento de que a fiança foi prestada em favor da filial de Betim, mas a operação de compra e venda que originou as duplicatas foi feita pela filial de Contagem – ambas com CNPJ distintos.
O juízo de primeiro grau considerou a alegação improcedente, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu a ilegitimidade dos sócios, sob o fundamento de que, se a filial tem autonomia para fechar negócios sem a autorização ou a intermediação da matriz ou de outras filiais, os contratos de fiança cujo conteúdo expressamente se restrinja ao objeto dos acordos por ela celebrados não podem assegurar obrigações das outras filiais.
O relator do caso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que, de acordo com o parágrafo único do artigo 969 do Código Civil, a filial – assim como a sucursal e a agência – é concebida como um estabelecimento secundário, instituído pelo empresário individual ou pela sociedade empresarial, com certa organização funcional em local próprio, mas estando subordinada em todos os aspectos administrativos, econômicos e negociais ao seu instituidor.
O estabelecimento comercial – destacou o magistrado – é entendido como sendo "todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário ou por sociedade empresária", e, ainda que possa ser identificado individualmente, encontra-se organizado funcionalmente e interligado ao estabelecimento principal, compondo uma unidade, com finalidade específica atribuída pelo empresário.
"Trata-se, pois, de objeto de direito, e não sujeito de direito, razão pela qual não titulariza – nem poderia, por definição – relações jurídicas, em nenhum de seus polos", disse.
Segundo o ministro, a filial é parte integrante do patrimônio da pessoa jurídica e não pode ser compreendida como um ente personalizado diverso dela. "Em face disso, a individualização do patrimônio da empresa, por meio da criação de filiais, em nada infirma a unidade patrimonial da pessoa jurídica, tampouco representa a criação de uma nova pessoa jurídica, com quadro societário e contrato social próprios", afirmou.
No caso em análise, Bellizze verificou que a fiança foi prestada em benefício da sociedade empresarial, não sendo importante, para a sua validade e eficácia, eventual indicação do estabelecimento no instrumento respectivo.
"A devedora – a sociedade empresarial afiançada – responde por suas dívidas com todo o seu acervo patrimonial, que, como visto, é composto, inclusive, pelo estabelecimento secundário (a filial). De todo inconcebível, assim, admitir uma fiança prestada em benefício de estabelecimento comercial secundário, inapto que é para assumir obrigações", ressaltou.
Na avaliação do relator, não se trata de conferir interpretação extensiva ao instrumento de fiança, mas sim de delimitar, corretamente, a figura do devedor afiançado, que apenas pode ser a sociedade empresarial, e não o estabelecimento comercial secundário indicado no instrumento de fiança.