Por unanimidade, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu nesta quarta-feira (10) um ##Incidente de Deslocamento de Competência (IDC)## e determinou a reabertura e a transferência, para a Justiça Federal, de inquéritos relativos ao caso conhecido como Chacina do Parque Bristol – série de assassinatos cometidos em maio de 2006 por grupo de extermínio supostamente ligado a agentes de segurança pública de São Paulo, como represália a ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Ao deferir o ##IDC##, o colegiado considerou, entre outros elementos, a existência de indícios de graves violações de direitos humanos no caso e a possibilidade de responsabilização do Brasil em razão de tratados internacionais assinados pelo país.
O julgamento teve a participação, como amicus curiae, da Associação de Direitos Humanos em Rede – Conectas Direitos Humanos.
Inserida no período conhecido como Maio Sangrento, a Chacina do Parque Bristol foi um ataque cometido por homens encapuzados contra cinco pessoas que estavam no bairro de mesmo nome, localizado na Zona Sul de São Paulo. Na ação, três pessoas morreram baleadas. Segundo os autos, logo após o crime, uma viatura da Polícia Militar teria passado pelo local para recolher cartuchos e projéteis que estavam no chão. Meses após esse episódio, um dos sobreviventes foi morto a poucos metros do local onde havia sido atingido na primeira vez.
Como consequência da chacina, foram instaurados dois inquéritos policiais. No primeiro deles, a polícia entendeu não haver elementos suficientes de autoria, motivo pelo qual o Ministério Público de São Paulo requereu o arquivamento, que foi deferido pelo juiz; no segundo, também arquivado, o Ministério Público Federal alegou que não foram juntados exames periciais importantes para a elucidação dos fatos.
Autora do ##IDC##, a Procuradoria-Geral da República (PGR) justificou a necessidade de remessa do caso da Justiça de São Paulo para a Justiça Federal em razão de falhas na condução das investigações pelas autoridades estaduais. A PGR também destacou que foi apresentada à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) um pedido de responsabilização do Brasil pelo episódio.
O relator do ##IDC##, ministro João Otávio de Noronha, ressaltou que não podem ser desconsiderados os violentos ataques cometidos pelo PCC em 2006, os quais espalharam terror na população de São Paulo, nem a necessidade de os órgãos públicos atuarem para coibir essas ações.
"Contudo, isso não significa dizer que, durante o combate a essas atividades criminosas, eventuais excessos ou abusos cometidos por agentes públicos possam ser tolerados. Havendo indícios de que a fronteira da legalidade tenha sido ultrapassada, o mesmo Estado que deve promover a segurança pública deve coibir eventuais excessos ou omissões por parte de seus agentes públicos", afirmou o ministro.
Considerando as informações trazidas aos autos – a exemplo de manifestações dos órgãos estaduais e entidades internacionais de direitos humanos –, o ministro entendeu ser necessário aprofundar as apurações, inclusive para verificar se os homicídios investigados nos dois inquéritos teriam correlação com os demais episódios ocorridos no Maio Sangrento.
Para o relator, o fato de as investigações estarem arquivadas não impede o seu deslocamento para a esfera federal, já que, de acordo com os autos, o arquivamento do caso teria sido precipitado, evidenciando falhas na atuação das autoridades estaduais de São Paulo quanto à obrigação de apurar, punir e adotar medidas para evitar a repetição de crimes semelhantes.
"Note-se que, após o arquivamento, foram produzidos vários estudos apontando uma possível inércia do Estado, o que pode ser considerado nova evidência a permitir a reabertura das investigações", concluiu o ministro ao acolher o ##IDC##.