Uma série de operações policiais contra autoridades em todo o país esteve na pauta de 2020 dos colegiados de direito penal do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em muitos desses casos, os ministros precisaram adotar medidas cautelares contra os investigados – como nas operações Placebo e Tris in Idem, em que a Corte Especial determinou o afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.
A retirada de Witzel do cargo por 180 dias foi determinada em agosto pelo relator do inquérito, ministro Benedito Gonçalves, e confirmada em setembro pela Corte Especial. As operações apuram suposta organização criminosa formada no governo do Rio de Janeiro com o propósito de desviar recursos e receber propinas, inclusive no âmbito do sistema de saúde estadual.
Na decisão, a corte considerou que o afastamento cautelar do governador era necessário para a continuidade das investigações. Os ministros também entenderam que a medida foi suficientemente motivada para a garantia de ordem pública e da instrução criminal.
Nas mesmas operações, a corte manteve em prisão preventiva o presidente do Partido Social Cristão (PSC), Everaldo Dias Pereira – o pastor Everaldo –, e outros seis investigados. A prisão foi decretada em agosto pelo ministro Benedito Gonçalves (processos sob segredo judicial).
Outra operação de grandes proporções que esteve em análise no STJ foi a Faroeste, que apura esquema de venda de decisões judiciais para favorecer a grilagem de terras no Oeste da Bahia.
Em maio, a Corte Especial recebeu denúncia contra quatro desembargadores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), além de outras oito pessoas – entre empresários, advogados e servidores públicos.
Em junho, o colegiado manteve decisão do relator, ministro Og Fernandes, que decretou a prisão preventiva de vários investigados, sob os fundamentos de preservação da ordem pública, conveniência das investigações criminais e para assegurar a aplicação da lei penal.
No dia 14 de dezembro, em novo desdobramento da Operação Faroeste, o ministro Og Fernandes determinou a prisão temporária, por cinco dias, de duas desembargadoras do TJBA que estariam ligadas ao grupo criminoso. Elas também foram afastadas das funções públicas por um ano.
Na mesma decisão, o ministro afastou – também por um ano – um desembargador e um juiz do TJBA, um secretário estadual, uma delegada da Polícia Civil e uma promotora do Ministério Público da Bahia. Além disso, Og Fernandes decretou a prisão preventiva de uma pessoa de fora do serviço público que estaria envolvida com o esquema (processos sob segredo judicial).
Na Terceira Seção, em maio, foi a julgado o incidente de deslocamento de competência ajuizado pela Procuradoria-Geral da República que buscava transferir para a esfera federal a investigação sobre os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em 2018 no Rio de Janeiro. O pedido foi indeferido, mantendo-se as investigações na Justiça estadual.
No entendimento do colegiado, o caso não preenchia os requisitos necessários para a federalização; além disso, não era possível verificar desídia ou desinteresse por parte das autoridades estaduais nas investigações para solucionar o crime.
"Ao meu sentir, não está configurada, nem de longe, inércia, tampouco desinteresse da Polícia Civil e do Ministério Público do estado. O que transparece é justamente o contrário. Há um evidente empenho dessas autoridades em solucionar os crimes, cujos executores, inclusive, já foram identificados", afirmou a relatora do incidente, ministra Laurita Vaz (processo sob segredo judicial).
Em agosto, a Terceira Seção voltou a analisar o caso, desta vez para negar recurso da Google Brasil Internet e manter decisão que determinou à empresa o fornecimento de informações de usuários de seus serviços no âmbito das investigações sobre a morte da vereadora.
De acordo com o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, para a quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outras informações pessoais, a autoridade judiciária não é obrigada a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo da medida é justamente proporcionar a identificação de usuários do serviço ou de terminais utilizados.
Durante o crescimento da pandemia da Covid-19 no Brasil, em abril, o ministro Sebastião Reis Júnior estendeu para todo o país os efeitos de decisão liminar que determinava a soltura de presos cuja liberdade provisória estivesse condicionada ao pagamento de fiança. Posteriormente, em outubro, a Terceira Seção confirmou a decisão.
O ministro se baseou na Recomendação 62 /2020 do Conselho Nacional de Justiça e nas medidas de contenção da pandemia do novo coronavírus. Segundo ele, estudos mostravam que os indivíduos em aglomerações, como nas prisões, estavam mais propensos a contrair a doença, mesmo se proporcionados equipamentos e insumos de proteção individual.
"Nos termos em que preconiza o Conselho Nacional de Justiça em sua resolução, não se mostra proporcional a manutenção dos investigados na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos – notoriamente de menor gravidade – não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo", afirmou o ministro.
No mês de agosto, a Corte Especial condenou o ex-presidente do Tribunal de Contas do Amapá (TCE-AP) Júlio Miranda a 14 anos, nove meses e 23 dias de reclusão, em regime inicial fechado, por peculato-desvio. O colegiado decretou a perda do cargo público de conselheiro do TCE-AP.
No mesmo julgamento, também foi condenado o conselheiro Amiraldo da Silva Favacho a seis anos, 11 meses e dez dias de reclusão, em regime inicial fechado, pelo crime de peculato-desvio, bem como à perda do cargo no TCE-AP.
Os dois foram investigados na Operação Mãos Limpas, que apurou desvios de mais de R$ 100 milhões de verbas do tribunal. Segundo o Ministério Púbico, o esquema envolvia saques de cheques da conta-corrente do TCE-AP e reembolsos indevidos de despesas médicas, pagamento de salários e passagens aéreas a pessoas estranhas ao quadro de pessoal do Tribunal de Contas, além do recebimento de verbas remuneratórias sem respaldo legal.
Diante da reiterada inobservância da jurisprudência das cortes superiores pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a Sexta Turma do STJ, em setembro, concedeu habeas corpus a mais de mil presos que cumpriam pena indevidamente no regime fechado por tráfico privilegiado. A medida também foi adotada em caráter preventivo, como forma de impedir a Justiça paulista de aplicar o regime fechado a novos condenados nessas situações.
Na decisão, o ministro Rogerio Schietti Cruz lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou no sentido de que a natureza não hedionda do crime de tráfico privilegiado desautoriza a prisão preventiva sem a análise concreta dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal; afasta a proibição de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, prevista no artigo 44 da Lei de Drogas; e impõe tratamento penal mais benigno.
No entanto, como apontou o relator, era comum a desconsideração pelo TJSP das Súmulas 718 e 719 do STF e da Súmula 440 do STJ, que espelham a mesma orientação jurisprudencial.
"O que se pratica, em setores da jurisdição criminal paulista, se distancia desses postulados, ao menos no que diz respeito aos processos por crime de tráfico de entorpecente na sua forma privilegiada, em que a proporcionalidade legislativa – punir com a quantidade de pena correspondente à gravidade da conduta, mas também na sua espécie e em seu regime de cumprimento – é desfeita judicialmente", afirmou o ministro à época.
Ainda na Sexta Turma, em setembro, os ministros entenderam que, em situações excepcionais, é permitida a conversão da prisão em flagrante em medida cautelar pessoal, inclusive a prisão preventiva, mesmo que não tenha havido pedido expresso do Ministério Público ou da autoridade policial.
Em seu voto, o ministro Rogerio Schietti explicou que o artigo 282, parágrafo 5º, do CPP permite ao juiz, com ou sem pedido das partes, revogar medidas cautelares ou substituí-las se verificar que não mais há motivo para sua manutenção, bem como voltar a decretá-las caso encontre razões para isso.
Para Schietti, a conversão nem deveria ser vista propriamente como um ato de ofício, já que a lei obriga o juiz a optar entre uma das hipóteses indicadas no CPP.
Ainda de acordo com o ministro, essa decisão, em regra, será adotada em uma audiência de custódia, com a presença de representantes do MP e da defesa, ocasião em que as partes, inevitavelmente, irão se manifestar sobre a eventual conversão da prisão – porém, como destacou Schietti, a audiência pode não se realizar no prazo legal por alguma razão justificável.
Em tais situações, a providência mais prudente, segundo o ministro, seria abrir vista ao órgão do Ministério Público, para se pronunciar sobre o flagrante e sua possível conversão em preventiva ou outra cautela, mas isso implicaria atraso na decisão, em prejuízo do autuado.
Em julgamento de embargos de divergência, em outubro, a Terceira Seção considerou que a importação de poucas sementes de maconha não é suficiente para enquadrar o investigado nos crimes previstos na Lei de Drogas.
"As condutas delituosas estão adstritas a ações voltadas para o consumo de droga e aos núcleos verbais de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga, também para consumo pessoal. Sob essa óptica, o ato de importar pequena quantidade de semente configuraria, em tese, mero ato preparatório para o crime do artigo 28, parágrafo 1º – impunível, segundo nosso ordenamento jurídico", explicou a ministra Laurita Vaz, referindo-se à Lei de Drogas.
Também em outubro, a Sexta Turma absolveu um homem cuja condenação se baseou apenas em sua identificação por meio de foto apresentada pela polícia à testemunha. No mesmo julgamento, o colegiado estabeleceu as orientações para que o reconhecimento de pessoas possa ser considerado válido.
De acordo com a turma, o reconhecimento de suspeito por fotografia deve seguir o mesmo procedimento do artigo 226 do Código de Processo Penal; além disso, deve ser visto como uma etapa antecedente do reconhecimento presencial. Por isso, segundo os ministros, a mera verificação fotográfica não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmada em juízo.
"Mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no CPP para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais, e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato", destacou o ministro Rogerio Schietti.
Sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.052), no mês de junho, a Terceira Seção estabeleceu que, para fins de condenação por corrupção de menores ou aumento da pena por envolvimento de menor no tráfico de drogas, a comprovação da menoridade deve ter por base algum documento oficial, não bastando declaração dada à polícia.
A tese fixada pelos ministros tem o seguinte texto:
"Para ensejar a aplicação de causa de aumento de pena prevista no artigo 40, VI, da Lei 11.343/2006 ou a condenação pela prática do crime previsto no artigo 244-B da Lei 8.069/1990, a qualificação do menor, constante do boletim de ocorrência, deve trazer dados indicativos de consulta a documento hábil – como o número do documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal, tal como a certidão de nascimento".