A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que um vídeo de humor da produtora Porta dos Fundos não violou a imagem nem causou lesão moral ou material ao clube Botafogo de Futebol e Regatas.
O colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que negou pedido de indenização feito pela entidade desportiva contra a produtora, pela publicação do vídeo intitulado Patrocínio no portal humorístico Porta dos Fundos.
"A crítica humorística realizada sem excessos, com o intuito de trazer a lume fatos a respeito da generalidade dos times de futebol, normalmente não provoca ofensa à imagem ou à reputação", afirmou o relator, ministro Villas Bôas Cueva, ao negar provimento ao recurso do clube.
A controvérsia teve origem em ação indenizatória contra a Porta dos Fundos Produtora e Distribuidora Audiovisual S/A, na qual o Botafogo pediu ressarcimento por danos morais e o pagamento de lucros cessantes devido à utilização não autorizada da marca do clube em vídeo de humor.
Os pedidos foram julgados improcedentes em primeiro grau. O TJRJ confirmou a sentença sob o argumento de que a peça humorística, ao ironizar a quantidade de anúncios de empresas estampados na camisa do time, não demonstrou a intenção de macular a reputação do clube ou de sua marca.
No recurso especial apresentado ao STJ, o clube alegou a impossibilidade de utilização de marca por terceiros sem autorização e a ocorrência de abalo moral e material causado pelo vídeo, no qual teria sido atribuída ao Botafogo a condição de time de menor importância.
O relator afirmou que o caso julgado – mesmo aparentando envolver conflito entre a liberdade de expressão (artigos 5º, IV, IX e XIV, e 220 da Constituição Federal) e o direito de proteção à imagem e à marca (artigo 5º, X e XXIX, da CF) – deve ser resolvido à luz do juízo de ponderação entre os interesses em conflito.
Segundo o ministro, "a liberdade de manifestação do pensamento também engloba a reflexão crítica dos acontecimentos do mundo e do comportamento humano por meio do humor, das charges, das paródias e das piadas, inclusive com a utilização de figuras de linguagem para entreter o público e muitas vezes provocar risadas e ironias".
Villas Bôas Cueva disse ser comum, no futebol brasileiro e internacional, a publicidade em peças de uniformes dos times, inclusive com patrocínios em maior destaque do que outros.
O vídeo Patrocínio – assinalou – critica a quantidade de publicidade estampada em camisas de times de futebol, principalmente de empresas ou profissionais de menor expressão comercial e de pouca visibilidade no mercado nacional.
"A crítica engendrada em tom de humor, apesar de fazer referência ao Botafogo, abrange a generalidade dos clubes brasileiros que utilizam essa forma de captação de recursos financeiros por meio da divulgação de marcas, sem que se possa falar em abalo moral aos times de futebol, tampouco ao recorrente", destacou.
Para o ministro, a produção audiovisual do Porta dos Fundos não teve o intuito de rebaixar a imagem, a reputação ou o símbolo do Botafogo de Futebol e Regatas, mas apenas o de trazer, em tom humorístico, crítica e reflexão quanto ao excesso de publicidade contido nas camisas dos times.
Villas Bôas Cueva lembrou que, em situação semelhante, a Terceira Turma também considerou não haver danos morais no caso em que a crítica foi feita de forma genérica por revista humorística (REsp 736.015).
"Ainda que o vídeo se destinasse a criticar exclusivamente a camisa do Botafogo, a apresentação humorística não contém elementos capazes de provocar descrédito ao clube simplesmente pela satirização decorrente do número de patrocinadores", observou.
O magistrado ressaltou ainda que, ao contrário da alegação do recorrente, o artigo 132, IV, da Lei 9.279/1996 não revogou o artigo 87 da Lei Pelé (Lei 9.615/1998), sendo que as duas normas se complementam no sistema de proteção aos símbolos de times de futebol.
"A par da propriedade exclusiva da denominação e dos símbolos de entidade de administração de prática desportiva, nada impede, em tese, a sua veiculação em programas televisivos e em mídias sociais, desde que não fique caracterizado o efetivo prejuízo moral ou material", concluiu.