Em encontro na terça-feira (6), o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva entregou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o relatório final da comissão de juristas constituída para propor subsídios à regulação da Inteligência Artificial (IA) no Brasil.
A proposta inclui medidas de governança, com a responsabilização em caso de infração à lei; a exigência de transparência no uso da IA; e a garantia de respeito aos direitos fundamentais, com a diretriz de que algoritmos não acentuem formas de discriminação.
Ao receber o relatório das mãos do ministro Cueva, que presidiu a comissão, o senador Pacheco agradeceu a dedicação do grupo de juristas e afirmou que o seu trabalho é uma importante contribuição para a qualidade do substitutivo que será apresentado para a regulação da IA. Segundo ele, o tema é um dos mais importantes para o desenvolvimento do país.
O ministro relatou que, durante os últimos meses, a comissão promoveu uma discussão profunda com representantes da sociedade civil e vários especialistas, traçando um mapa bastante completo sobre o que se pensa no Brasil e no mundo a respeito do assunto. Com muita reflexão e amplo debate, segundo Cueva destacou, foi possível apresentar uma proposta representativa do que se espera da regulação da IA.
"Conseguimos, por unanimidade, aprovar um trabalho em uma comissão que congrega especialistas da mais alta qualidade, todos eles devotados ao estudo de áreas específicas. Seguimos a linha da média do que se pensa hoje no mundo quanto à regulação da inteligência artificial", disse o ministro.
A entrega do relatório ao presidente do Senado foi o ato final da comissão, criada em fevereiro deste ano com ampla ##representação## social. Desde então, foram promovidos um seminário internacional, quatro audiências públicas e 12 painéis para discutir os eixos temáticos do projeto: conceitos, compreensão e classificação de IA, impactos, direitos e deveres, accountability (prestação de contas), governança e fiscalização.
O grupo de trabalho foi criado pelo Senado para subsidiar a elaboração de minuta de substitutivo aos Projetos de Lei 5.051/2019, 21/2020 e 872/2021, que têm como objetivo estabelecer princípios, regras, diretrizes e fundamentos para regular o desenvolvimento e a aplicação da IA no Brasil.
Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que, diante da complexidade técnica, jurídica e moral envolvida na ampliação do uso dessa tecnologia como instrumento auxiliar para a tomada de decisões pelos poderes públicos e agentes privados, a comissão propôs uma regra que procura garantir a reparação integral dos danos eventualmente causados pelas aplicações de IA, mas permite a individualização das responsabilidades civis.
Segundo o ministro, a minuta de substitutivo não estabelece quem seria a autoridade reguladora da IA no Brasil, mas indica a necessidade de criação de uma autoridade central, nacional, para unificar as regras em geral, inclusive com aplicação de sanções àqueles que não cumprirem as disposições legais.
Para o especialista em privacidade e proteção de dados Bruno Bioni, a regulação proposta no relatório final da comissão se intensifica de acordo com o risco, dentro do contexto no qual a IA é aplicada.
"Existem direitos transversais, como o direito de saber que você está lidando com uma máquina – isso deve ser comunicado. Existem cenários nos quais essa tecnologia vai decidir o seu futuro, como num processo seletivo de emprego. Então, você tem um risco mais elevado e, nesse sentido, é preciso calibrar de forma mais intensa o peso da lei. A partir desses cenários onde se tem o uso da inteligência artificial de alto risco, é preciso criar obrigações de documentação, em que se mede o impacto algorítmico de um risco coletivo para a sociedade", afirmou.
Bioni apontou que um último pilar da proposta de regulação tem a ver com o próprio setor se organizar, contando com um sistema de corregulação com o Estado para normatizar comportamentos.
No entender do jurista Fabrício da Mota Alves, especialista em proteção de dados, a proposta ficou muito equilibrada, principalmente no ponto da responsabilidade civil dos agentes de IA, assim como no modelo de regime sancionatório.
"Não se buscará punir por punir. Estabelecemos sanções bem proporcionais e que promovem um incentivo de fato à conformidade, ou seja, que empresas, desenvolvedores, fornecedores de inteligência artificial enxerguem no projeto de lei um estímulo para refletir sobre uma IA ética e responsável", finalizou.
O encerramento do encontro foi marcado por homenagens ao professor Danilo Doneda, um dos integrantes do colegiado, que morreu de câncer no último domingo (4). Durante a cerimônia na Presidência do Senado, Doneda foi lembrado e homenageado pelo ministro Cueva, pelo senador Pacheco e também pelo senador Eduardo Gomes.
Considerado um dos principais especialistas em proteção de dados no Brasil e professor de direito na Universidade Federal do Paraná, Doneda tinha 52 anos, era casado e deixou três filhos.