O auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reuniu magistrados, advogados e outros especialistas, nesta quarta-feira (28), para uma discussão sobre o impacto esperado nas atividades da corte – e do Judiciário em geral – após a promulgação da Emenda Constitucional 125/2022, que cria o filtro de relevância para a admissão de recursos especiais.
Organizado pelo tribunal em parceria com o Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) e o Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getulio Vargas (CIAPJ/FGV), o seminário Arguição de Relevância no ##Recurso Especial## foi coordenado pelo ministro do STJ Luis Felipe Salomão e pelos advogados Georges Abboud e Rodrigo Salomão.
Na abertura do evento, o ministro Mauro Campbell Marques destacou a importância da EC 125/2022 e a situação do STJ diante desse novo contexto. "O que se pretende com a emenda é racionalizar – e, eu não diria reeducar, mas educar – o sistema judiciário nacional para realmente fazer do Superior Tribunal de Justiça aquilo a que se destina este tribunal", afirmou.
De acordo com Campbell, o diálogo sobre a relevância no direito federal deve considerar de antemão "a existência ou a inexistência de questões relevantes sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapasse os interesses subjetivos do processo". O ministro acredita que, com a emenda, o STJ poderá desempenhar com mais efetividade a sua função constitucional. "Tenho a convicção absoluta de que vamos uniformizar e racionalizar o sistema judiciário brasileiro", disse.
Presidido pelo ministro do STJ Benedito Gonçalves, o primeiro painel abordou a função dos tribunais superiores, a importância de um sistema de precedentes e a relevância da questão federal do ##recurso especial##, tanto no direito brasileiro como no direito comparado. "Um debate tão rico para refletirmos sobre esse instrumento que veio, por meio da EC 125/2022, racionalizar o trabalho do tribunal" – definiu o magistrado, que é presidente da Primeira Turma do STJ e corregedor-geral da Justiça Eleitoral.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ, foi um dos palestrantes, ao lado dos advogados Osmar Paixão e Anna Maria Reis. O ministro ressaltou que a EC 125/2022 era um "sonho antigo" e, após dez anos de trabalho, tornou-se um marco histórico para a corte.
"É um filtro recursal. A grande questão que se coloca agora é: quais as perspectivas do STJ nesse novo capítulo da sua história, especialmente para a sua afirmação como tribunal superior – na linha dos tribunais superiores de outros países –, como tribunal centrado na formação de precedentes qualificados?", indagou o magistrado.
Sobre o papel do STJ diante do novo contexto normativo, o advogado Osmar Paixão lembrou que as cortes superiores, há mais de 15 anos, vêm mudando seus paradigmas, do subjetivismo para algo mais objetivo. "Isso começou com a jurisprudência, e a legislação veio atrás consolidando esse modelo. Há anos, o STJ aponta para a importância da fiscalização na observância da jurisprudência", ressaltou o advogado e professor. "Hoje, raramente, a gente observa um recurso, uma petição ou um julgado, em que não haja referência a um precedente do STJ", complementou Anna Maria Reis.
No segundo painel, intitulado "Aspectos práticos: hipóteses de presunção e necessidade de regulamentação", a presidência da mesa ficou com o conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O primeiro palestrante, o ministro do STJ Antonio Saldanha Palheiro, defendeu que eventuais dúvidas na aplicação das disposições da EC 125/2022 possam ser resolvidas sem que se precise recorrer ao Poder Legislativo – por exemplo, por meio do regimento interno do tribunal, que tem força de lei.
"Um texto dessa magnitude, dessa abrangência, dessa profundidade, vai precisar de atualização com relativa constância para que a gente possa se adaptar àquilo que é trazido aos operadores do direito. Se, a cada vez que precisarmos atualizar a aplicação desses dispositivos, a gente necessitar de uma tramitação legislativa, a gente certamente vai embaraçar a aplicação direta e imediata", declarou o ministro. Ele falou também sobre a necessidade de uma mudança na cultura dos magistrados, no sentido de maior obediência aos precedentes judiciais.
Em seguida, a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Maria Cristina Peduzzi, discorreu sobre a experiência da corte com o mecanismo da transcendência – que também funciona como um filtro para seus recursos –, cuja regulamentação, ainda em construção, avançou com a reforma trabalhista de 2017, a qual dispôs sobre quatro indicadores de transcendência: econômico, social, jurídico e político. "Temos obtido uma redução substancial nos julgamentos", afirmou a ministra.
Por último, o assessor-chefe do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ, Marcelo Marchiori, destacou que o debate sobre a relevância da questão federal caminha no sentido de se aproximar do que hoje existe no Supremo Tribunal Federal (STF) com a repercussão geral, que trabalha com temas. "A grande vitória da relevância da questão federal vai ser a redução do recebimento de processos, com a formação de temas. Esses temas, resolvendo as questões, reduzirão a recorribilidade", concluiu.
Ao encerrar o evento, o ministro Luis Felipe Salomão mencionou o trabalho desenvolvido pelo CIAPJ/FGV na elaboração de uma proposta para regulamentar a arguição de relevância, trabalho do qual ele participa. Ele comentou a queda no número de processos observada no STF a partir da regulamentação da repercussão geral: "Com a repercussão geral, criada em 2004 pela Emenda Constitucional 45 e regulada em 2006 pela Lei 11.418, os números começam a cair, de fato".
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Humberto Dalla explicou que os estudos do CIAPJ/FGV sobre a aplicação da relevância se baseiam em três premissas: premissa histórica, premissa de comparação com institutos assemelhados do direito brasileiro e premissa de comparação com os institutos assemelhados no direito estrangeiro.
Segundo a juíza Caroline Tauk, a intenção do CIAPJ/FGV é trabalhar com temas que auxiliem o Judiciário a superar suas dificuldades. No caso da relevância – declarou a magistrada –, o desafio é identificar as melhores formas de aplicação desse filtro trazido pelo legislador, com a proposição de ideias para a regulamentação, inclusive com a discussão sobre a natureza relativa ou absoluta da relevância.