No período vespertino do primeiro dia do seminário Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero: Teoria e Prática, promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), os participantes se reuniram em painéis para debater a construção, a aplicação e a contribuição do protocolo.
O evento de dois dias (6 e 7 de março) acontece no STJ e está sendo transmitido pelo canal do tribunal no YouTube.
Sob a presidência do ministro do STJ Sebastião Reis Júnior, o primeiro painel da tarde abordou a construção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.
A primeira convidada a falar foi a procuradora Ivana Farina Navarrete Pena, coordenadora do grupo de trabalho instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para elaborar o protocolo. Ela contou que o documento surgiu a partir de uma reflexão sobre a necessidade de se estabelecerem metas e ações para promover a igualdade das mulheres no âmbito interno do Poder Judiciário e na sua atuação perante a sociedade.
"O protocolo é pensado como uma bússola e um manual para o agir do magistrado e da magistrada, não apenas no momento de se estabelecer uma sentença, mas no tratamento e no respeito à condição inerente da parte que é vulnerabilizada", explicou a procuradora.
A juíza Tani Maria Wurster, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), deu sequência ao painel fazendo uma retrospectiva da evolução da luta pelo reconhecimento de direitos das mulheres.
Ela destacou marcos históricos, como a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), tratado internacional aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Segundo a juíza federal, "o protocolo é resultado de um processo de lutas de mulheres há décadas. Não é fruto do nosso tempo atual".
Em relação à baixa representatividade das mulheres na magistratura, ela relembrou seu trabalho como coordenadora da Comissão Ajufe Mulheres, da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
"Nós nos demos conta de algo óbvio: a estrutura do machismo, do sexismo e do racismo que sustenta o Poder Judiciário é a mesma que sustenta um exercício de jurisdição enviesado e estereotipado", apontou.
Finalizando o painel, a juíza Domitila Manssur, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), deu destaque à importância do julgamento com perspectiva de gênero na área do direito processual penal.
"A mulher leva ao processo sua vulnerabilidade, qualificada primordialmente pela dificuldade na produção da prova, surgindo o julgamento com perspectiva de gênero como forma de materializar o princípio da igualdade", comentou.
Nesse sentido – apontou a juíza –, o protocolo apresenta um olhar com lentes de gênero para neutralizar assimetrias que, muitas vezes, levam a um julgamento desigual.
Além da discussão sobre a construção do protocolo, outro painel do dia debateu a contribuição desse documento na edificação da equidade de gênero.
A juíza Amini Haddad, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), que presidia a mesa do painel, iniciou a discussão comentando que "o protocolo inaugura um novo projeto, uma nova história no sistema de Justiça. Não falamos apenas de julgamento e instrução sob a perspectiva de gênero, mas da projeção desse valor de conformidade normativa do sistema jurídico para todos os órgãos do Estado de Direito".
A delegada da Polícia Civil de São Paulo Eugenia Villa afirmou que "esse protocolo é muito além do Poder Judiciário. Esse protocolo deve ser difundido para instituições de saúde, de educação. É uma inovação".
Cristiane Damasceno Leite, presidente da Comissão da Mulher Advogada, destacou que o protocolo não confere uma proteção e um olhar apenas sobre as vítimas, mas também sobre as promotoras, magistradas e advogadas que sofrem violência institucional. "A transversalidade no trabalho das questões de gênero e que envolvem a violência contra a mulher é extremamente necessária", comentou.
A gerente de projetos da área de enfrentamento à violência contra meninas e mulheres da ONU Mulheres, Debora Albu, explicou que "o protocolo alinha o Estado brasileiro a outros signatários de tratados internacionais de defesa dos direitos humanos das mulheres e meninas, como é o caso do México, colaborando para a instituição de um ambiente internacional propício para transformações culturais necessárias para a eliminação de violências contra meninas e mulheres".
A advogada Izabella Borges, especialista em violência baseada no gênero, afirmou que o combate a essa forma de violência não deve ter foco apenas em medidas punitivas, mas também preventivas – a obrigação de participar de cursos, por exemplo. Segundo ela, há uma série de possibilidades que podem ser usadas para aproximar a atuação dos juízes das diretrizes do protocolo.
Para finalizar o primeiro dia do evento, foi realizada uma conferência sobre o papel do CNJ na aplicação do protocolo. O presidente da mesa e secretário-geral do Conselho da Justiça Federal (CJF), juiz Daniel Marchionatti Barbosa, ressaltou a missão dos magistrados na promoção da igualdade e no combate à discriminação, sempre atentos à evolução social e aos temas que surgem nesse contexto.
A conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Salise Sanchotene apresentou uma série de iniciativas do CNJ visando a implementação do protocolo em todos os âmbitos da Justiça. "Nós temos a necessidade de fazer uma revisão permanente, pensando que não cabe somente ao CNJ a promoção do protocolo. Nós temos que fomentar isso com as instituições parceiras", afirmou.
A conselheira destacou que o CNJ trabalha em dois âmbitos para que os objetivos estabelecidos pelas Resoluções 254 e 255 do CNJ sejam cumpridos. O âmbito interno envolve a composição do próprio conselho e a participação feminina no Poder Judiciário, no sentido de estabelecer uma equidade com o número de homens. Já o âmbito externo, que diz respeito à jurisdição, envolve a aplicação do protocolo nos juizados, nos tribunais e nas delegacias.
"Na questão de alcançar a igualdade de gênero em todos os setores e espaços de poder, temos trabalhado com a elaboração de planos estratégicos dentro do CNJ, nas mais diversas frentes. Muito se fez a partir do protocolo nas perspectivas penal e processual penal. Nós temos também frentes de trabalho voltadas para a Lei Maria da Penha, para a área da infância e para a área dos concursos", declarou.
Por fim, Salise Sanchotene ressaltou que, pelo fato de o protocolo ser apenas uma recomendação, o CNJ não tem como cobrar os tribunais e outros órgãos sobre a sua aplicação. "É chegada a hora de termos, efetivamente, o protocolo dentro de uma resolução. Só assim nós teremos como cobrar efetivamente", apontou.
Os debates do seminário continuam nesta terça-feira (7). Às 10h, tem início o painel sobre questões práticas relacionadas ao julgamento com perspectiva de gênero nas Justiças Federal, dos Estados e Militar.
No painel previsto para as 14h, os participantes discutem as questões práticas sobre o julgamento com perspectiva de gênero na Justiça do Trabalho. Na sequência, às 15h30, haverá painel sobre o contexto internacional do julgamento com perspectiva de gênero e o que se esperar para o futuro. A conferência de encerramento está marcada para as 17h.