Superando a timidez de se expor a uma câmera fotográfica e contornando, mesmo que por um breve momento, o sofrimento, o preconceito e as angústias da vida na prisão, elas se exibem e compartilham gestos, olhares e até sorrisos; captadas em fotos em preto e branco, são mostradas a diferentes pessoas que, a partir desses retratos, buscam ampliar o debate e refletir sobre os dilemas que habitam as celas ou as ultrapassam. Mais visíveis pela luz da fotografia e pela reflexão sobre suas vidas, talvez possam mostrar que não estão apagadas, ocultas ou invisíveis: elas são, na verdade, translúcidas.
Esse é o sentido principal do livro Translúcida, obra organizada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sebastião Reis Júnior e que será lançada durante o seminário Igualdade e Justiça: a Construção da Cidadania Plural, marcado para o dia 22 de junho, no auditório externo do STJ. A obra é da editora Amanuense, com edição e revisão do jornalista Rodrigo Haidar.
As fotos reunidas no livro são de presas transgênero e foram feitas pelo ministro Sebastião em visita ao Centro de ##Detenção## Provisória Pinheiros II, em São Paulo. A partir dessas imagens, foram convidadas pessoas das mais variadas áreas, que se utilizam de múltiplas linguagens como mecanismo de reflexão sobre a situação da população LGBT+, dentro ou fora da prisão.
Buscando ser diverso em um tema essencialmente sobre diversidade, o livro congrega, por exemplo, nomes como a presidente do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, a cartunista Laerte, a ativista Bruna Benevides e a deputada federal Erika Hilton. Há, no livro, de relatos pessoais a estudos técnicos, de citações jurisprudenciais a poemas.
"Procurei conhecidos e desconhecidos. Pessoas com formações diversas. Apresentei a ideia. Cada um escolheria uma foto e ampliaria a voz de alguém que precisava que seus sentimentos se espalhassem. Quem ler vai ver trabalhos de advogados, juízes, médicos, políticos, artistas plásticos e militares, e verá textos técnicos, cartas, ilustrações, contos, poesias e ensaios. Não houve regras a seguir. Textos livres. Cada um escreveu, ou desenhou, o que quis, o que sentiu vontade", conta Sebastião na apresentação da obra, que é prefaciada pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.
De acordo com Sebastião Reis Júnior, a inspiração para Translúcida veio de outro livro: Ausência, de Nana Moraes, destinado a retratar mulheres que são mães e estão presas no Complexo de Gericinó, no Rio de Janeiro.
Após mergulhar no universo das presas trans por meio da fotografia, o ministro sentiu que poderia dar ainda mais profundidade ao debate ao combinar, em uma mesma obra, as imagens e as contribuições das pessoas convidadas. Para ele, como ministro de direito penal do STJ, também é seu papel aproveitar o espaço e colocar o tema em debate.
"O que me motivou a produzir o livro foi dar a oportunidade de expor um assunto que ainda sofre um enorme preconceito. Nós não damos voz às pessoas trans, porque elas já falam, se expressam; o que nós fazemos é tentar amplificar essa voz", define.
Em busca dessas vozes, o ministro conta que as pessoas que participam do livro chegaram inclusive a ir às prisões e conversar com presas trans. Foi o caso do juiz do Amazonas Luís Carlos Valois e da desembargadora Simone Schreiber – esta última teve, inclusive, contato com uma das presas fotografadas pelo ministro.
Segundo Sebastião Reis Júnior, a aproximação com as presas trans, os registros fotográficos e os conteúdos reunidos no livro reforçaram um sentimento principal. "O que mais cresceu em mim foi a indignação com o preconceito", disse, definindo a discriminação como "uma mistura de inveja e medo".
O ministro também destaca a relevância de que o lançamento de Translúcida aconteça em conjunto com um seminário destinado a debater a igualdade, a diversidade e a cidadania plural.
"Um seminário realizado em um ambiente como o do STJ tem a grande vantagem de ter credibilidade. Vão participar pessoas sérias, comprometidas a tratar do tema seriamente. Como uma corte superior, o STJ também precisa ocupar esses espaços de debate e discussão de ideias", afirma.