Um diálogo sobre questões jurídicas envolvendo os seguros agrícolas no país ocorreu nesta quinta-feira (15) no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sob coordenação do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o evento integrou mais uma edição do projeto Conversa com o Judiciário da Revista Justiça e Cidadania, criado com o objetivo de aprofundar as discussões sobre temas de grande impacto na sociedade. O seminário Aspectos Controvertidos dos Seguros Agrícolas contou com a participação do ministro Antonio Carlos Ferreira e de vários especialistas no assunto.
Conduzido pelo presidente da Comissão de Agronegócio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Augusto Coelho, o primeiro debate abordou o tema "Seguros agrícolas e a predeterminação de riscos e deveres contratuais das partes".
O ministro Cueva destacou a dinâmica produtiva e securitária do setor, acompanhado da professora Ana Frazão, da Universidade de Brasília (UnB), e do professor Thiago Junqueira, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio).
"O evento marca um momento de reflexão diante de fenômenos recentes, como as grandes quebras de safra e a judicialização intensa de segurados em busca de indenizações", disse o ministro.
Segundo o magistrado, há indícios de um grande desequilíbrio que pode comprometer a sustentabilidade do agronegócio, um dos pilares da economia nacional.
"Para o agronegócio se manter crescente, moderno, sustentável e rentável, é fundamental que haja cobertura securitária. No Brasil, temos avançado, mas ainda estamos longe do modelo ideal", afirmou Cueva.
A estruturação e a sustentabilidade de seguros voltados ao agronegócio enfrentam uma série de desafios jurídicos e econômicos. Para a professora Ana Frazão, existem causas para a atual incerteza no setor, que podem estar associadas a fatores como o déficit legislativo, regulatório, contratual e avaliativo de risco. Porém, de acordo com a advogada especializada em direito civil, muito mais do que buscar respostas para essas questões, é preciso instigar reflexões a respeito.
"Esses desequilíbrios acontecem e acabam, de alguma forma, sobrecarregando o Judiciário, o que nos faz pensar se, de fato, seria o Judiciário a última instância a lidar com todas essas dificuldades ou se, talvez, seria o caso de investirmos em uma melhor legislação, regulação, ou em melhores práticas negociais, para resolvermos esses problemas", analisou.
O professor da FGV Thiago Junqueira traçou um panorama do seguro agrícola no Brasil. Ele discorreu sobre as principais culturas do agronegócio, as vantagens do seguro como ferramenta de gestão de risco e a proteção do patrimônio do produtor. Junqueira destacou ainda as precificações securitárias, o panorama do mercado e o aparato legislativo sobre a matéria, em especial o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural e as suas principais coberturas.
O segundo painel do evento, presidido pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, abordou o tema "Mutualismo, precificação dos seguros agrícolas e o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural".
O primeiro palestrante foi o professor da FGV de São Paulo Luciano Benetti Timm, especializado em dogmática jurídica e análise econômica do direito.
De acordo com o professor, os contratos de seguro têm uma característica em comum que é a necessidade de administrar uma falha de mercado chamada assimetria informacional. Para ele, essa assimetria é ainda maior no campo do agronegócio, pois o produtor rural deve lidar com as intempéries climáticas.
"Via de regra, questões climáticas não são cobertas em apólices de seguro porque o risco é muito grande, mas o mercado conseguiu desenvolver algo específico para lidar com essa questão por meio de instrumentos das ciências atuariais lastreados pela estatística", observou Luciano Benetti Timm.
Jônatas Pulquério, diretor do Departamento de Gestão de Risco do Ministério da Agricultura e Pecuária, destacou aspectos relacionados ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural, que oferece ao agricultor a oportunidade de segurar sua produção com custo reduzido, por meio de auxílio financeiro do governo federal.
"Ele garante a manutenção do fluxo de caixa e a renda do produtor rural. Não estou falando que o seguro garante o lucro. Ele vai garantir o pagamento do custo-base, que é o fluxo de caixa que lhe dará condições de permanecer no mercado até a próxima safra", explicou.
Para o representante do governo federal, o produtor que realiza seu ciclo de plantações sem o seguro rural faz uma aposta arriscada, pois fica sujeito aos eventos climáticos sem qualquer tipo de proteção. "O seguro rural é uma ferramenta de mitigação de risco", comentou.
A presidente do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA), Raquel Marimon, falou sobre o conceito de seguro e o papel do atuário. Ela apresentou a evolução histórica do mercado e destacou que o estabelecimento da figura do ente segurador representou um aperfeiçoamento do conceito puro de mutualismo, originalmente baseado no princípio da boa-fé.
Ao abordar o seguro agrícola, Raquel Marimon detalhou a importância das companhias de resseguro no setor rural. "Conceitualmente, o resseguro é o seguro da seguradora. Trata-se de uma forma de a seguradora limitar suas perdas", afirmou.
A presidente do IBA explicou que o mercado depende do resseguro internacional, instrumento que está menos disponível em razão das altas sinistralidades observadas no Brasil. "Sem o resseguro, a seguradora não permanece no mercado", concluiu.
Nilson Leitão, consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), contextualizou a importância do seguro agrícola por meio de dados sobre a população rural no país. "O Brasil tem 5,5 milhões de propriedades rurais, mas 4,5 milhões vivem na linha da pobreza, entre o auxílio do governo e uma renda máxima de R$ 2 mil", disse.
Segundo o consultor, é necessário um debate mais amplo sobre a importância de desenvolver a classe média no campo e eliminar a pobreza nas áreas rurais. "Falta ousadia das políticas de governo para dizer quem vai bancar isso caso algo dê errado", ressaltou Nilson Leitão.