O I Congresso Sistema Brasileiro de Precedentes, promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), debateu, na manhã desta sexta-feira (16), os avanços, os retrocessos e as perspectivas do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), do Incidente de Assunção de Competência (##IAC##) e dos recursos repetitivos após sete anos do Código de Processo Civil (CPC) de 2015.
O painel, que iniciou o último dia do evento, abordou o tema "O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: avanços, retrocessos e perspectivas após sete anos do CPC/2015". O secretário-executivo da Enfam, Fabiano Tesolin, que presidia a mesa, abriu os trabalhos lembrando a justa e merecida homenagem ao ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que nesta sexta completaria 64 anos. Ele também apontou a grande participação do público como evidência do sucesso do evento.
A professora Sofia Temer, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), selecionou um tema sensível: a discussão sobre a natureza do IRDR. "Passados sete anos de vigência do CPC, há IRDRs no formato de procedimento modelo, ou seja, IRDRs instaurados e julgados em abstrato, com todas as ressalvas que esse termo merece, apenas com a fixação da tese jurídica, sem o concomitante julgamento do caso concreto", observou.
Ela disse ter escolhido o tema por estar relacionado diretamente ao papel do STJ e à sua função como corte de uniformização e de precedentes. Segundo a professora, é preciso fortalecer o papel do STJ e, se for o caso, revisitar institutos processuais que sejam compatíveis com esse papel fundamental.
"O cabimento dos recursos em IRDR é a alternativa que mais apresenta conformidade com as normas constitucionais, porque permite que sejam concretizados os princípios da isonomia e da segurança jurídica que norteiam o sistema de Justiça, como sempre frisava o ministro Sanseverino", concluiu Sofia Temer.
Márcia Correia Holanda, juíza de direito do Rio de Janeiro, reforçou a importância da participação dos magistrados na construção e na discussão doutrinária e acadêmica do tema, tendo em vista que "somo nós que vamos aplicar, num primeiro momento, os precedentes no caso concreto".
A magistrada trouxe a realidade – "experiência ainda não positiva" – do tribunal do seu estado nos julgamentos de IRDRs e mostrou a padronização dos procedimentos de instauração do instituto como uma das possíveis soluções administrativas.
No painel seguinte, sob a presidência de Renato Castro, juiz supervisor do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac) do STJ, foi discutido "O ##Incidente de Assunção de Competência##: avanços, retrocessos e perspectivas após sete anos do CPC/2015".
A ministra Isabel Gallotti apontou que, "diferentemente do IRDR e dos recursos repetitivos, ferramentas para o combate à judicialização de massa, o IAC não tem como objetivo a baixa do acervo processual dos tribunais, mas, sim, questões relevantes que não se inserem no conceito de causas seriais e repetitivas".
Gallotti explicou que "o IAC não é concebido para questões de massa, ele é concebido para questões relevantes que possam ocorrer em vários processos, ou não, mas com repercussão social", possibilitando "o controle efetivo, forte e eficaz da aplicação da tese pelo STJ".
Alexandre Câmara, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), enfatizou a importância de definir o âmbito e o cabimento do IAC: "Vamos tentar definir esse campo por exclusão, quando não for caso de se usar um mecanismo de julgamento de casos ##repetitivos##", apontando o instituto como "uma ferramenta de fechamento do sistema".
O professor questionou se é necessário haver a dicotomia entre IRDR e IAC, especialmente considerando que "eles são fungíveis entre si", e suscitou a hipótese de unificar essas figuras e "criar uma espécie de incidente de formação de precedentes qualificados". Conforme explicou, isso "evitaria que perdêssemos tempo discutindo quando é que cabe um e quando é que cabe outro, facilitando muito o trabalho dos tribunais de segunda instância, e me parece que também ajudaria o STJ".
No último painel da manhã, o presidente da mesa, Marcelo Marchiori, assessor-chefe do Nugepnac, ressaltou que os avanços no sistema de precedentes se devem, em grande parte, às iniciativas do ministro Sanseverino. "Ele mudou condutas, posturas e a gestão processual. Graças a ele, temos uma gestão nacional de precedentes, temos núcleos de precedentes e, no STJ, o Nugepnac."
O professor Cassio Scarpinella Bueno, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ressaltou que o sistema brasileiro de precedentes é único e complexo, não podendo ser comparado a nenhum outro. Ele apontou que, apesar dos avanços obtidos, ainda são encontradas algumas dificuldades de operar o sistema, tais como extrair a ratio decidendi do precedente e determinar a sua interpretação.
"Muita gente acha que dada a súmula, dada a tese, dado o dispositivo, está tudo resolvido, mas não é assim", afirmou, para em seguida apresentar uma série de exemplos em que, apesar de se ter fixado um entendimento, ainda há questões a serem resolvidas.
Scarpinella finalizou afirmando que, para continuar evoluindo, é necessário "deixar claro qual é o objetivo do sistema brasileiro de precedentes, rever o ensino jurídico na graduação e rever, com o máximo respeito, a posição do STJ com relação ao não cabimento de reclamação, para a corte poder reanalisar seus próprios entendimentos".
Representante da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Alexandre Freire observou que, no início, a principal finalidade do sistema de precedentes foi diminuir a quantidade de processos no STJ e no Supremo Tribunal Federal (STF).
"A evolução dos recursos especiais repetitivos no STJ e a técnica de julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral no STF acabaram dando outra dimensão para essas técnicas: o que era apenas uma dimensão de gerenciamento de processos foi aperfeiçoado para virar uma dimensão de formação de precedentes", disse.
Dentre os avanços, Freire destacou que, no âmbito dos repetitivos, o STJ foi pioneiro na criação de uma comissão gestora de precedentes, o que propiciou profissionalização e organização ao sistema de precedentes no tribunal.
"Isso permitiu que a corte pudesse decidir adequadamente sobre os temas, pudesse estabelecer um diálogo rico com as instâncias de origem e com outros órgãos fracionários da corte, dando maior racionalidade e evitando o retrabalho", declarou.
Por fim, ele indicou que ainda há espaço para melhorar o atual sistema de precedentes no STJ e propôs medidas como o aprimoramento do plenário virtual, da cultura da superação para a frente no julgamento de recursos repetitivos e da modulação. "Isso porque, em muitos temas, as decisões acabam por inobservar o princípio da segurança jurídica e o princípio da segurança legítima. Acredito que o STJ marchará no sentido dessa melhora", concluiu.