Representatividade e pluralidade marcam início de simpósio internacional sobre povos indígenas
17/04/2023 21:10
 
 
17/04/2023 20:41

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Uma comunhão de etnias, origens, línguas e cores marcou o início do simpósio internacional Povos Indígenas: Natureza e Justiça, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) entre esta segunda (17) e terça-feira (18). Após a sessão de abertura, houve a inauguração da exposição do fotógrafo Sebastião Salgado.

Os dois eventos, que têm o apoio do Ministério dos Povos Indígenas e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), contam com patrocínio do Banco do Brasil. O canal do STJ no YouTube transmitiu a abertura do simpósio e vai transmitir os debates do segundo dia, a partir das 9h, ao vivo.​​​​​​​​​

A deputada federal Célia Xakriabá discursa no evento, observada pelas ministras Rosa Weber e Maria Thereza de Assis Moura. | Foto: Lucas Pricken/STJ
Formaram a mesa de abertura a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura; a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber; o ministro Herman Benjamin, coordenador científico do simpósio; a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG); o presidente da AMB, Frederico Mendes Júnior; a diretora jurídica do Banco do Brasil, Lucinéia Possar; e o fotógrafo Sebastião Salgado. Na plateia, membros de vários grupos originários, representantes de instituições públicas e organismos diplomáticos, além de órgãos ligados às causas indígenas.  

Leia também: Cores, lutas, tradições: o STJ como campo de debate e de afirmação dos direitos dos povos indígenas

Segundo a ministra Maria Thereza, a efetiva prestação jurisdicional nas causas relativas aos povos originários passa, necessariamente, pela compreensão dos riscos enfrentados por eles quanto à sobrevivência de sua cultura e, adicionalmente, pela proteção da posse de suas terras – não só na Amazônia Legal, como também nas demais áreas ainda à espera de demarcação.

"Para além disso, deve ser reconhecido que a valorização dos diferentes povos que habitam nosso país e o respeito a eles incumbem a todos nós, cidadãs e cidadãos, pois as tradições desses povos são fonte importante de aprendizado cultural e histórico", afirmou a presidente do STJ.

Simpósio marca reencontro entre comunidade jurídica e artistas

Segundo a ministra Rosa Weber, o simpósio marca um reencontro de membros da comunidade jurídica e artistas – entre eles, Sebastião Salgado – com o objetivo de debater e valorizar temas importantes para a luta dos povos indígenas. "Arte e direito complementam-se na luta por um mundo mais justo e solidário", declarou.

A presidente do STF ressaltou o ressurgimento de uma "obscuridade maléfica" no país –representada, entre outros fatos, pelo crescimento da invasão de garimpeiros e grileiros em territórios indígenas da Amazônia e pela crise recente que atingiu o povo Yanomami. Ela também recordou que, nesta terça (18), completam-se cem dias dos atentados de 8 de janeiro às instituições brasileiras, e que, na sede do STF, os invasores destruíram um dos 18 painéis de Sebastião Salgado que compõem o acervo permanente da corte.

Para a ministra Marina Silva, o momento é oportuno para tratar de temas como os que serão debatidos ao longo no simpósio. Ela comentou que vários dos assuntos caros aos povos originários não são usualmente tidos como primordiais nos debates sociais, de modo que o simpósio tem a capacidade de contribuir para uma mudança progressiva na agenda social do país.

Mariana Silva enfatizou que "as nossas raízes mais profundas estão ligadas ao povo preto e ao povo indígena deste país", e que é necessário não apenas o debate público sobre o assunto, mas que existam legisladores indígenas e executores de políticas públicas pertencentes aos povos tradicionais.

O ministro Herman Benjamin destacou que, embora julgue rotineiramente processos sobre o tema, esta é a primeira vez que o STJ debate os direitos dos povos indígenas em um evento específico. "Que nós, juízes, possamos incorporar esse conhecimento todo, para melhor julgar os litígios sobre os povos indígenas", afirmou.

Canto lembra que a justiça é, ao mesmo tempo, ancestral e futura

No início de sua fala, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) entoou um cântico tradicional de seu povo, cuja mensagem é "o futuro – como a justiça – é ancestral, ou não será".

Segundo a deputada, por meio do direito, os povos indígenas buscam dizer que não têm medo da justiça, mas sim medo da injustiça. Célia Xakriabá informou que, no próximo dia 24, será reaberta no Congresso Nacional uma frente parlamentar de defesa das causas indígenas.

De acordo com o juiz Frederico Mendes Júnior, a Constituição Federal representa um marco na conquista de direitos dos povos indígenas. Com base no texto constitucional, de acordo com o presidente da AMB, o Estado tem o dever de proteger as manifestações culturais dos povos originários e os seus direitos territoriais.​​​​​​​​​

O fotógrafo Sebastião Salgado (na ponta esquerda da mesa) afirmou que os povos indígenas da Amazônia são “os verdadeiros guardiões dessa floresta”. | Foto: Emerson Leal/STJ
Último a falar na mesa de abertura, Sebastião Salgado lembrou que, durante a pandemia da Covid-19, ele e sua esposa, Lélia Wanick Salgado, criaram um manifesto assinado por 67 personalidades de todo o mundo, dirigido a autoridades dos três poderes, pedindo medidas de proteção para os povos indígenas. O fotógrafo disse que, com o apoio do STF, foi possível criar um grupo para cuidar da segurança sanitária desses povos. "Graças ao Supremo, os indígenas foram um dos primeiros grupos a serem vacinados contra a Covid-19 no Brasil", enalteceu.  

Sebastião Salgado reforçou que os povos indígenas da Amazônia são, provavelmente, "a maior união cultural do planeta", comportando aproximadamente 180 línguas e culturas diferentes, cujas terras são as mais protegidas da região. "Os indígenas são os verdadeiros guardiões dessa floresta", declarou.

Lélia Salgado é homenageada por luta em favor das causas indígenas

Ao final da abertura do simpósio, houve uma homenagem a Lélia Wanick Salgado, que recebeu uma placa de reconhecimento pela sua luta em prol do meio ambiente, dos povos indígenas e das populações mais vulneráveis.

Na homenagem, o ministro Herman Benjamin destacou que Lélia – arquiteta, produtora gráfica e ambientalista, entre várias outras funções – tem atuado em conjunto com o marido, Sebastião Salgado, em todos os seus projetos fotográficos de reconhecimento internacional. O ministro também ressaltou as iniciativas de Lélia Wanick Salgado em ações de reflorestamento em áreas desmatadas.

Ocupação de espaços de poder é estratégica para os indígenas

Após a sessão de abertura, o simpósio prosseguiu com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e a presidente da Funai, Joenia Wapichana, discutindo o tema "Povos indígenas e Estado de Direito".

A presidente da Funai fez uma reflexão sobre os primeiros meses de atuação do governo, destacando que os povos indígenas começaram a ocupar espaços que antes lhes eram inacessíveis.

Para ela, a presença dos valores indígenas em diversas instâncias da administração é fundamental para melhorar a orientação de políticas públicas. "Trago essa questão, que para nós é estratégica, porque estamos também pensando na proteção dos direitos humanos dos povos indígenas e, em consequência, de toda a população do planeta", declarou.

Direitos dos povos indígenas precisam de ações transversais

A ministra Marina Silva abriu sua fala abordando a abrangência do conceito de Estado Democrático de Direito, especialmente à luz da história e das demandas dos povos indígenas.

"O direito, para os povos originários, nunca vai acontecer de forma fragmentada. Ele sempre terá que ser uma ação transversal, com o lugar da justiça e da elaboração das leis, mas também o forte lugar da cultura e do imaginário social", disse a ministra.

Marina Silva citou o desafio em torno das demarcações territoriais na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, e criticou a ideia de praticamente isolar os indígenas em espécies de "ilhas" próximas a fazendas de arroz, destruindo uma estrutura ancestral. "Pensar em Estado Democrático de Direito, para os povos indígenas, é considerar as suas singularidades", alertou.

Em referência à organização do simpósio, a ministra elogiou a iniciativa de se buscar "um Estado Democrático de Direito com alma, no qual a justiça e o artista se encontram na mesma mesa".

Ao agradecer pela participação das convidadas, a ministra Maria Thereza se referiu à intervenção de Marina Silva como "uma fala poética que nos traz a realidade dos povos originários e nos mostra nossa responsabilidade sobre o mundo".

Decisões da Corte IDH e direito comparado em debate nesta terça

O simpósio internacional Povos Indígenas: Natureza e Justiça continua nesta terça-feira (18), a partir das 9h, com diversos painéis. Ao longo do dia, serão discutidas questões sobre terra e meio ambiente, a perspectiva do direito comparado em relação aos povos originários e as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), entre outros temas.

Acesse a programação completa.

Veja mais fotos do simpósio no Flickr do STJ.