Planos de saúde, recuperação judicial, indenizações e fraudes entre os temas mais frequentes no direito privado
17/12/2023 07:00
 
17/12/2023 07:00
15/12/2023 18:53

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Entre os processos julgados em 2023 pelos colegiados de direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacaram-se casos sobre obrigações das operadoras de planos de saúde, recuperação judicial e falência, indenizações, dívidas e fraudes bancárias.

Em setembro, ao analisar o Tema 1.069 dos recursos repetitivos, a Segunda Seção fixou, por unanimidade, duas teses sobre a obrigatoriedade de custeio, pelos planos de saúde, de operações plásticas após a realização da cirurgia bariátrica.

Na primeira tese, o colegiado definiu que é de cobertura obrigatória pelos planos a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico após a cirurgia bariátrica, visto ser parte do tratamento da obesidade mórbida.

A segunda estabelece que, havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada após a bariátrica, a operadora do plano pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador.

Em junho, a Quarta Turma decidiu que uma operadora de plano de saúde deve custear tratamento com medicamento prescrito pelo médico para uso off-label (ou seja, fora das previsões da bula).

De acordo com o colegiado, se o medicamento tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – como no caso dos autos –, a recusa da operadora é abusiva, mesmo que ele tenha sido indicado pelo médico para uso off-label ou para tratamento em caráter experimental.

Obrigação de tratamento e possibilidade de reembolso

Em junho, a Terceira Turma reconheceu a obrigação de a operadora do plano de saúde cobrir sessões de equoterapia prescritas tanto para beneficiário com síndrome de Down quanto para beneficiário com paralisia cerebral.

Com base nesse entendimento, a turma negou provimento a dois recursos especiais interpostos pela Unimed, nos quais a cooperativa médica questionava a cobertura do tratamento com equoterapia para criança com paralisia cerebral e a cobertura de tratamento multidisciplinar – inclusive com equoterapia –, por tempo indeterminado e com os profissionais escolhidos pela família, fora da rede credenciada, para criança com síndrome de Down.

No mês de abril, analisando um caso semelhante, a Terceira Tuma negou provimento a ##recurso especial## da Amil Assistência Médica Internacional que questionava a cobertura do tratamento multidisciplinar – inclusive com musicoterapia – para pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) e a possibilidade de reembolso integral das despesas feitas pelo beneficiário do plano de saúde fora da rede credenciada.

Vários casos discutiram pedidos de indenização

Em novembro, a Quarta Turma declarou prescrita a ação de indenização pela morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino no Doi-Codi, em 1971, durante a ditadura militar. O processo teve como réu, inicialmente, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandava a unidade à época. Ele morreu em 2015, tendo sido sucedido no processo por seus herdeiros.

O relator, ministro Marco Buzzi, deu provimento ao recurso da família do jornalista, por considerar imprescritíveis as ações indenizatórias ajuizadas em razão de atos contra os direitos fundamentais praticados pelo Estado brasileiro e por seus agentes durante o período ditatorial.

No entanto, prevaleceu no colegiado o entendimento da ministra Isabel Gallotti, para quem a Súmula 647 do STJ diz respeito a ações indenizatórias que discutem a responsabilidade objetiva do Estado, de forma que a imprescritibilidade, segundo ela, não se aplica a casos em que se controverte a propósito da responsabilidade civil com base no direito privado.

Roubo de cliente de shopping na entrada do estacionamento

Em decisão de março deste ano, a Terceira Turma entendeu que o shopping center e a empresa administradora de estacionamento são responsáveis por indenizar consumidor vítima de roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estacionamento.

Conforme o colegiado, ao instalar obstáculo físico para controlar a entrada no estacionamento, os estabelecimentos provocam uma sensação de segurança no consumidor. A relatora, ministra Nancy Andrighi, observou que a proteção do Código de Defesa do Consumidor incide não somente durante a prestação do serviço em si, mas também nos momentos que o antecedem e o sucedem, desde que estejam vinculados à sua execução.

Patrocínio no uniforme de juiz de futebol

Em outubro, a Terceira Turma negou provimento ao ##recurso especial## de um juiz de futebol que pretendia ser indenizado por um patrocinador do Campeonato Brasileiro, cuja marca foi exposta nos uniformes das equipes de arbitragem que atuaram nos jogos.

De acordo com o colegiado, se houve violação do direito de imagem, como alegou o árbitro, a responsabilidade não foi do patrocinador, que negociou diretamente a publicidade com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

"A conduta do patrocinador de adquirir o direito de exibir sua marca no uniforme oficial da equipe de arbitragem não caracteriza, por si só, violação ao direito de imagem do árbitro de futebol. A violação, se caracterizada, decorreria do ato da entidade desportiva que contratou e eventualmente obrigou o árbitro a usar o referido uniforme, sem o seu consentimento, dependendo das condições em que isso ocorreu", afirmou a ministra Nancy Andrighi.

Indenização da BMW pelo acidente que matou o cantor João Paulo

A Quarta Turma manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou a BMW a indenizar a família do cantor João Paulo, da dupla João Paulo e Daniel, em virtude do acidente automobilístico que causou a sua morte, em 1997. Segundo o processo, o acidente ocorreu após um pneu ter esvaziado de forma repentina, provocando o capotamento e o incêndio do veículo que o artista dirigia.

O TJSP fixou a indenização por danos morais em R$ 50 mil para a viúva e R$ 50 mil para a filha do cantor, por considerar que, embora a vítima tenha contribuído para o acidente ao dirigir em alta velocidade e não utilizar cinto de segurança – caso de culpa concorrente, portanto –, a BMW não conseguiu demonstrar que o esvaziamento repentino do pneu do carro não decorreu de defeito de fabricação.

Além dos danos morais, o tribunal paulista estabeleceu pensão mensal à família no valor correspondente a um terço dos rendimentos do artista.

##Liminar## suspendeu decisão que decretou falência da Livraria Cultura

O ministro Raul Araújo, em junho, concedeu liminar para suspender os efeitos da decisão que havia determinado a transformação em falência da recuperação judicial da Livraria Cultura.

Raul Araújo levou em conta o princípio da preservação da empresa. Segundo disse, a livraria tem "inegável e relevante função social e cultural", e sua quebra causaria "enorme prejuízo tanto à comunidade de credores como à coletividade em geral".

A liminar garantiu efeito suspensivo ao recurso sobre o caso interposto no STJ. O ministro entendeu que estavam presentes a plausibilidade do direito invocado e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, decorrente de eventual demora na solução da causa, pois a reação do mercado a uma medida desse tipo é imediata.

Bens da empresa do Faraó dos Bitcoins

Em outro caso envolvendo falência, a ministra Nancy Andrighi indeferiu pedido de liminar para que fossem sustados os atos de administração e disposição dos bens da massa falida da empresa GAS Consultoria e Tecnologia Ltda., apreendidos pelo juízo federal criminal, e para que tais bens fossem remetidos ao juízo falimentar.

Em processo de falência, a GAS Consultoria pertence ao garçom e ex-pastor Glaidson Acácio dos Santos, o "Faraó dos Bitcoins". Preso em 2021, em decorrência da Operação Kriptos da Polícia Federal, Glaidson é acusado de liderar organização criminosa responsável por um milionário esquema de pirâmide financeira iniciado em Cabo Frio (RJ). A investigação apontou que o grupo teria movimentado pelo menos R$ 38 bilhões no esquema ilegal de investimentos em criptomoedas.

Bancos devem tomar medidas contra fraudes

Em julgado de setembro, a Terceira Turma reconheceu a responsabilidade objetiva de um banco diante de golpe praticado por estelionatário e declarou inexigível o empréstimo feito por ele em nome de dois clientes idosos, além de determinar a restituição do saldo desviado fraudulentamente da conta-corrente. Segundo o colegiado, as instituições financeiras têm o dever de identificar movimentações financeiras que não sejam condizentes com o histórico de transações da conta.

Seguindo o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a turma reformou o acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que entendeu ter havido culpa exclusiva dos clientes.

O estelionatário telefonou a um dos titulares da conta e, passando-se por funcionário do banco, instruiu-o a ir até um caixa eletrônico e aumentar o limite de suas transações. Em seguida, em nome do cliente, contratou um empréstimo e usou todo o dinheiro – inclusive o que havia antes na conta – para pagar despesas de cartão de crédito e dívidas fiscais de outro estado.

No mês seguinte, a Terceira Turma definiu que a instituição financeira responde pelo vazamento de dados pessoais sigilosos do consumidor relativos a operações e serviços bancários, obtidos por criminosos para a prática de fraudes como o "golpe do boleto". Nesse tipo de estelionato, golpistas se passam por funcionários de um banco e emitem boleto falso para receberem indevidamente o pagamento feito pelo cliente.

O colegiado reformou acórdão do TJSP e restabeleceu a sentença que condenou um banco a declarar válido o pagamento realizado por meio de boleto fraudado e devolver à cliente parcelas pagas indevidamente em contrato de financiamento.

Cobrança extrajudicial de dívida prescrita

No mesmo mês, a Terceira Turma, por unanimidade, decidiu que o reconhecimento da prescrição impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial da dívida. De acordo com o colegiado, pouco importam a via ou o instrumento utilizados para a cobrança, uma vez que a pretensão se encontra praticamente inutilizada pela prescrição.

A turma julgadora considerou que, embora o crédito persista após a prescrição, sua subsistência não é suficiente para permitir a cobrança extrajudicial, uma vez que a exigibilidade foi paralisada.

No caso, um homem ajuizou ação contra uma empresa de recuperação de crédito, buscando o reconhecimento da prescrição do débito e a declaração judicial de sua inexigibilidade. Em segunda instância, foi reconhecida a impossibilidade de cobrança extrajudicial, tendo em vista que a prescrição era incontroversa – o que motivou o recurso ao STJ.

Penhora on-line para garantir pagamento de pensão

Em março, a Terceira Turma autorizou a penhora on-line de ativos financeiros para assegurar o pagamento de pensão alimentícia, num caso em que os requerentes não forneceram os dados da conta na qual deveria haver o bloqueio.

Para o colegiado, os requerentes não precisam fornecer os dados bancários, nem é necessário observar periodicidade mínima ou eventual mudança de situação fática em relação à última tentativa de penhora.

Na origem, foi ajuizada ação de alimentos. Como, na fase de execução, não foi possível localizar patrimônio penhorável suficiente, os autores pleitearam o bloqueio de ativos financeiros, o que foi indeferido pelo juiz. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul manteve a decisão.

Impenhorabilidade de propriedade rural deve ser provada por devedor

No mês de fevereiro, a Segunda Seção estabeleceu que, para efeito da impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso VII, do Código de Processo Civil (CPC), é ônus do devedor a comprovação de que sua propriedade rural, além de pequena, é trabalhada pela família para a própria subsistência.

Com a decisão, o colegiado resolveu divergência sobre se caberia ao devedor – como entendia a Terceira Turma – ou ao credor – conforme julgamentos da Quarta Turma – fazer prova da situação do imóvel rural com o objetivo de confirmar ou afastar a impenhorabilidade.

"Sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é certo que é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado, pois ele é o proprietário do imóvel e, então, pode acessá-lo a qualquer tempo. Demais disso, ninguém melhor do que ele para saber quais atividades rurícolas são desenvolvidas no local", afirmou a ministra Nancy Andrighi.