Professores e operadores do direito participaram, nesta quarta-feira (21), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), de um debate sobre a aplicação dos precedentes judiciais no âmbito dos direitos humanos. Com a presença do ministro Rogerio Schietti Cruz e de vários especialistas no assunto, o seminário Precedentes e Direitos Humanos: debates fundamentais promoveu uma discussão sobre como a garantia dos direitos humanos e a efetividade da tutela das normas são relevantes na construção dos julgados.
Ao abrir o seminário, Schietti destacou que o Poder Judiciário deve tratar o jurisdicionado com igualdade, dignidade e imparcialidade, não fazendo apenas uma justiça material, condenando quem é culpado e absolvendo quem é inocente, mas, também, uma justiça procedimental – relacionada à maneira como o juiz conduz uma causa.
"O juiz deve tratar cada processo com a sua singularidade, não naturalizar a violência, não vulgarizar situações que, infelizmente, são cotidianas no Brasil. O juiz não pode perder sua sensibilidade, sua empatia e seu comprometimento com a dor do outro", afirmou.
Quanto aos precedentes, o ministro observou que, se uma questão jurídica já foi definida pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), todos os magistrados devem seguir o entendimento fixado, pois isso cria uma isonomia de tratamento, garantindo ao jurisdicionado que situações iguais terão soluções iguais.
"Não é possível que um juiz, com a sua carga cultural, familiar, ideológica, religiosa, imprima aos casos seus preconceitos e vieses, de modo a aplicar um entendimento diferente do que o STJ e o STF interpretaram em uma situação idêntica", comentou.
A defensora pública Luciana Jordão, de São Paulo, enfatizou que o acesso à Justiça é um direito que garante os demais direitos fundamentais. Segundo a defensora, um sistema jurídico igualitário deve assegurar, e não apenas formalizar, o direito de todos. "Deve-se conceder a consciência de seus direitos aos indivíduos, mediante a completa orientação jurídica", apontou, ao falar sobre a importância de haver instituições que propiciem ao cidadão a fruição de seus direitos.
Luciana Jordão destacou a importância do trabalho do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (GAETS), que possibilitou a presença da defensoria em processos do STJ e do STF nos quais ela não é parte, mas que geram impacto no público assistido pela instituição.
"Estarmos presentes nas discussões de processos de repercussão geral, de repetitivos, de controle concentrado de constitucionalidade, levando as pretensões e defendendo os interesses das pessoas mais vulneráveis é de extrema relevância, já que essas decisões vinculam o Judiciário de todo o país" declarou.
Na terceira palestra do evento, a professora da Universidade de São Paulo (USP) e juíza instrutora do STF Helena Refosco afirmou que o Poder Judiciário existe para permitir que grupos vulneráveis que não têm acesso ao Executivo e ao Legislativo possam questionar políticas públicas ou regulatórias.
Contudo, ela avaliou que o atual sistema de precedentes não é, necessariamente, desenhado para ampliar o acesso à Justiça e diminuir a desigualdade estrutural que existe entre os litigantes.
Helena Refosco também falou sobre a representatividade dos precedentes. "É fundamental pensar em representatividade antes de formar precedentes qualificados. O Código de Processo Civil reconhece isso, prevendo a possibilidade de audiências públicas e de amici curiae. É recomendável que os tribunais convidem a defensoria, conselhos, movimentos sociais, a comunidade, órgãos reguladores e universidades quando forem formar esses precedentes".
A professora Flávia Piovesan, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, ressaltou em seu discurso que os precedentes importam, primeiramente, por trazerem segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade, mas também importam por promoverem isonomia, eficiência e efetividade jurisdicional, criando a ideia de um sistema jurídico único e íntegro.
Em seguida, a palestrante abordou a experiência do sistema interamericano em relação aos precedentes na proteção e na promoção dos direitos dos grupos vulneráveis. Segundo ela, tal sistema foi criado para funcionar a partir da participação social. "Por exemplo, ontem foi feito um painel sobre mudança climática, e a Corte Interamericana abriu um espaço para colher vozes das universidades, das organizações sociais e dos Estados", comentou.
Para a professora, é importante estender a interpretação constitucional a vários intérpretes. "Parece central na pavimentação, no desenvolvimento e na consolidação dos precedentes que haja esse movimento de baixo para cima, e não só de cima para baixo, pois é a partir da representatividade que o jurisdicionado vai se reconhecer nessa formação", disse.
O professor da Universidade de Brasília (UnB) Benedito Cerezzo alertou que é preciso estar atento à forma como os tribunais produzem suas decisões, ou seja, à maneira como o direito está sendo usado para resolver os problemas dos cidadãos.
De acordo com Cerezzo, o sentido da lei é proteger o mais fraco, então é preciso se colocar no lugar dele para protegê-lo: "Qual o sentido do Código de Defesa do Consumidor? É proteger o consumidor. Qual o sentido do Estatuto do Idoso? É proteger os mais velhos. Nesse sentido, a lei processual penal deve ter em mira a parte mais fraca, que, no caso, é o acusado".
O professor finalizou sua palestra afirmando que a participação das minorais na construção dos precedentes é fundamental, já que vão sofrer os efeitos dessas decisões. Segundo ele, dar acento à Defensoria Pública nas cortes superiores seria uma forma de dar voz aos grupos vulneráveis.
"Assim como temos um subprocurador nos julgamentos, poderíamos ter um subdefensor. Se o nosso entendimento é de que é fundamental, para a constituição do direito, proteger as minorias, nós temos que trazer a minoria para a constituição desse precedente, pois sem ela me parece que estamos à beira de uma ##ilegitimidade##", concluiu.
A defensora pública Manuela Passos, da Bahia, comentou que a construção jurisprudencial do direito é feita por pessoas que, em regra, não são assistidas pela defensoria. Na sua opinião, a Defensoria Pública deve levar para os magistrados a realidade social do ponto de vista da população vulnerabilizada.
"Nesse aspecto, as ações coletivas são essenciais para que a defensoria possa alcançar os seus fins. Nós precisamos utilizar estratégias, especialmente de atuação coletiva, como a ação civil pública e o instituto do amicus curiae, para fazer a defesa individual do grupo vulnerabilizado", completou.
Última a se manifestar no seminário, a professora da UnB Debora Bonat disse que, apesar dos precedentes trazerem estabilidade ao sistema de Justiça, eles devem ser frequentemente aperfeiçoados para que não inviabilizem, ainda mais, a situação das pessoas vulneráveis. "Eu entendo que os precedentes foram incorporados pela diminuição do acervo, mas não basta a gente olhar esse aspecto formal, devemos ir além", declarou.
Para a professora, é importante discutir a forma como é elaborada a pauta de julgamentos nos tribunais e fazer com que ela tenha, cada vez mais, um vínculo direto com a fruição dos direitos fundamentais.
"Se a pauta de julgamentos direciona os julgados às questões formais ou de maior impacto em termos de número, ou a situações que marginalizem a fruição de direitos fundamentais, nós teremos um sistema que irá piorar a situação de pessoas que já estão à margem da Justiça", concluiu.