Os 15 anos de Og Fernandes, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques no STJ
21/06/2023 07:30
 
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20/06/2023 17:37

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No dia 17 de junho de 2008, três juristas, representantes de três regiões distintas do país, iniciavam ao mesmo tempo suas trajetórias como ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ): do berço do frevo e do maracatu, chegava Og Fernandes, desembargador e até então presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE); da terra do Cristo Redentor, onde fez sua carreira jurídica, passava a compor a corte Luis Felipe Salomão, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); do coração da Floresta Amazônica, vinha Mauro Campbell Marques, procurador-geral do Ministério Público do Amazonas.

A posse simultânea dos três ministros foi tão marcante que o presidente do STJ à época, ministro Humberto Gomes de Barros (falecido), quebrou o protocolo – que não previa discurso em tais cerimônias – e celebrou: "Os três são jovens, intelectuais, brilhantes e trabalhadores. Trazem culturas distintas e revelam só hombridade, maturidade e profundos conhecimentos jurídicos, além de comprometimento com os maiores anseios da sociedade".​​​​​​​​​

Luis Felipe Salomão, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques são homenageados com o lançamento do livro Direito Federal Brasileiro. | Foto: Rafael Luz/STJ

Passados 15 anos, Og, Salomão e Campbell confirmaram as expectativas daquele momento com suas contribuições não apenas no campo jurisprudencial, mas também no desenvolvimento das instituições do Poder Judiciário. Para homenagear a trajetória dos três magistrados, será lançado, nesta quarta-feira (21), o livro Direito Federal Brasileiro, que reúne artigos assinados por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ.

Ministro Og relatou vários processos sob o rito dos recursos repetitivos

Og Fernandes é natural do Recife e, antes de se tornar magistrado, foi jornalista, professor e advogado. No STJ, atuou inicialmente na Terceira Seção e na Sexta Turma, especializadas em direito penal, passando depois a integrar a Primeira Seção e a Segunda Turma, colegiados de direito público. Atualmente, é vice-presidente do STJ e compõe a Corte Especial.

Foi relator de precedentes importantes no tribunal, especialmente no âmbito dos recursos ##repetitivos##. No Tema 1.026, sob sua relatoria, a Primeira Seção definiu que, nas execuções fiscais, o magistrado deve, a pedido do credor, autorizar a inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes. Essa inclusão, de acordo com o colegiado, independe do esgotamento de outras medidas executivas, e deverá ser deferida, salvo se o juiz tiver dúvida razoável sobre a existência da dívida.

No Tema 1.076, a Corte Especial, analisando recursos relatados por Og Fernandes, entendeu ser inviável a fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa nos casos em que o valor da condenação ou o proveito econômico forem elevados.

Em seu voto, o ministro explicou que o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 trouxe mais objetividade às hipóteses de fixação de honorários e que a regra dos honorários por equidade, prevista no parágrafo 8º do artigo 85, foi desenhada para situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, o proveito econômico da demanda seja irrisório ou inestimável, ou o valor da causa seja muito baixo.

"A propósito, quando o parágrafo 8º do artigo 85 menciona proveito econômico 'inestimável', claramente se refere àquelas causas em que não é possível atribuir um valor patrimonial à lide (como pode ocorrer nas demandas ambientais ou nas ações de família, por exemplo). Não se deve confundir 'valor inestimável' com 'valor elevado'", afirmou Og Fernandes.

Também sob o rito dos ##repetitivos## e sob a relatoria do ministro Og, a Primeira Seção, no Tema 715, estabeleceu que os Conselhos Regionais de Farmácia possuem competência para fiscalização e autuação das farmácias e drogarias em relação ao cumprimento da exigência de manterem profissional farmacêutico durante todo o período de funcionamento, sob pena de incorrerem em infração passível de multa.

Já no Tema 766, a seção de direito público acolheu tese do ministro no sentido de que o Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas ações propostas contra os entes federativos. Essa legitimidade, segundo o relator, existe mesmo quando o processo envolve beneficiários individualizados, tendo em vista que a causa se refere a direitos individuais indisponíveis, conforme previsto no artigo 1º da Lei 8.625/1993.

Salomão definiu precedentes importantes para afirmação de direitos humanos e das minorias

Nascido em Salvador, mas com formação acadêmica e carreira construídas no Rio de Janeiro, Luis Felipe Salomão é professor emérito da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e tem dois títulos honoris causa – de doutor pela Universidade Cândido Mendes e de professor pela Escola Superior da Advocacia do Rio.

Atualmente, é corregedor nacional de Justiça e compõe a Corte Especial do STJ. O ministro já atuou na Segunda Seção e na Quarta Turma, ambas especializadas em direito privado.

Salomão foi responsável por relatar precedentes históricos do STJ, a exemplo da decisão da Quarta Turma que, em 2017, definiu que as pessoas transexuais têm direito à alteração da informação de sexo no registro civil mesmo sem a realização de cirurgia.

Em seu voto, o ministro afirmou que a possibilidade de modificação do registro tem relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana, a garantia constitucional à não discriminação e o direito fundamental à felicidade.

"Se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante do registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se, a meu juízo, flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade", ressaltou o relator.

Também sob relatoria de Salomão, em 2011, a Quarta Turma reconheceu o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (processo sob segredo judicial).

"Se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os 'arranjos' familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto", enfatizou o ministro à época.

Na esfera dos recursos repetitivos, no Tema 1.082,  a Segunda Seção – sob relatoria do ministro – entendeu que a operadora, mesmo após rescindir de forma unilateral o plano ou o seguro de saúde coletivo, deve garantir a continuidade da assistência a beneficiário internado ou em tratamento de doença grave, até a efetiva alta, desde que ele arque integralmente com o valor das mensalidades.

Em 2022, no Tema 1.145, Salomão foi o responsável por consolidar na Segunda Seção o entendimento de que, ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos, é viável requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido de recuperação, independentemente do tempo de seu registro.

Mauro Campbell Marques foi relator de ##repetitivo## que resolveu 24 milhões de processos

Natural de Manaus, Mauro Campbell Marques se formou em direito pelo Centro Universitário Metodista Bennett (Unibennett). É o atual diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), além de integrar a Corte Especial, a Primeira Seção e a Segunda Turma do STJ. Antes de chegar ao Tribunal da Cidadania, foi membro do Ministério Público por 21 anos e chefiou a instituição em seu estado por três vezes.

Entre os principais casos relatados pelo ministro no STJ, estão as teses fixadas pela Primeira Seção no julgamento dos Temas 566 a 571, sob o rito dos recursos repetitivos. Com a interpretação da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.380/1980), estima-se que o colegiado conseguiu dar solução a cerca de 24 milhões de processos em todo o Brasil.

Também sob o rito dos ##repetitivos##, no Tema 912, a Primeira Seção definiu que os produtos importados estão sujeitos a nova incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no momento em que saem do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham passado por industrialização no Brasil.

No julgamento – que envolveu a participação, como amici curiae, de diversas empresas importadoras e representantes da indústria nacional –, o ministro Mauro Campbell Marques afastou a tese de dupla tributação nas operações de importação e revenda, tendo em vista que ocorrem dois fatos geradores distintos: a primeira tributação recai sobre o preço de compra, no qual é embutida a margem de lucro da empresa estrangeira; a segunda, sobre o preço de venda, no qual já está incluída a margem de lucro da importadora brasileira.

Outro caso ##repetitivo## relatado pelo ministro e que teve a participação de diversos amici curiae foi o Tema 1.023, no qual a Primeira Seção analisou o marco ##inicial## do prazo de prescrição para o ajuizamento de ação que busca a reparação de dano moral sofrido por servidor público exposto à substância dicloro-difenil-tricloroetano (DDT). Presente em produtos como inseticidas, o DDT foi utilizado por agentes de combate a endemias que atuavam em órgãos como a Fundação Nacional de Saúde.

Seguindo o voto de Campbell, a seção definiu que o prazo prescricional é contado a partir do momento em que o servidor teve ciência dos malefícios que poderiam surgir com a exposição, não devendo ser adotado como marco ##inicial## a vigência da Lei 11.936/2009.

"A Lei 11.936/2009 não traz qualquer justificativa para a proibição do uso do DDT em todo o território nacional, e nem descreve eventuais malefícios causados pela exposição à referida substância. Logo, não há como presumir que, a partir da vigência da Lei 11.936/2009, os agentes de combate a endemias que foram expostos ao DDT tiveram ciência inequívoca dos malefícios que poderiam ser causados pelo seu uso ou manuseio", esclareceu o ministro.