No dia 28 de agosto de 2013, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebia três novos integrantes que, dez anos depois, teriam seus nomes marcados na história da corte como referências na formação de precedentes em suas áreas de atuação.
Na cadeira 32, em substituição ao ministro Massami Uyeda, chegava ao STJ Moura Ribeiro, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) com mais de 30 anos de carreira no Judiciário.
Na cadeira 26, antes ocupada pelo ministro Teori Zavascki (falecido), tomava posse Regina Helena Costa, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), professora e autora de vários livros de direito tributário.
Na cadeira 4, substituindo o ministro Cesar Asfor Rocha, Rogerio Schietti Cruz passava a compor o tribunal após longa carreira no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), instituição na qual foi procurador de Justiça.
No STJ, os três ministros estão separados pelas áreas de especialização: Moura Ribeiro é da Segunda Seção e da Terceira Turma, órgãos julgadores de direito privado; Regina Helena Costa integra a Primeira Seção e a Primeira Turma, colegiados de direito público; Rogerio Schietti Cruz é membro da Terceira Seção e da Sexta Turma, que julgam casos de direito penal. Em comum, têm uma presença destacada na construção da jurisprudência – do que são exemplos recentes os julgados lembrados a seguir.
Nascido em Santos (SP), o ministro Moura Ribeiro é mestre e doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutor pela Universidade de Lisboa. Entre os trabalhos acadêmicos que publicou, figuram estudos sobre o compromisso de compra e venda, o sistema do negócio jurídico e o direito à personalidade.
Em 2020, Moura Ribeiro foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, em reconhecimento à sua atuação na defesa dos princípios do capitalismo humanista.
Entre os julgados recentes relatados pelo ministro com mais impacto no meio jurídico, está o REsp 1.943.335, no qual a Terceira Turma definiu que, em caso de perda total, a indenização do seguro só corresponderá ao montante integral da apólice se o valor do bem, no momento do sinistro, não for menor.
Em outro caso (processo sob segredo de Justiça), a turma seguiu o entendimento do ministro no sentido de que é possível o ajuizamento de ação de alimentos mesmo que já haja acordo extrajudicial, caso se considere que o valor da pensão não atende aos interesses do alimentando.
"No mister de tutelar e de proteger os interesses indisponíveis da criança e do adolescente, cabe ao Ministério Público alertar o juiz, que, antes de homologar eventual acordo, deve verificar se o valor acordado entre os genitores prejudica a subsistência do menor envolvido, considerando sempre o binômio necessidade/possibilidade, de modo a velar para que o processo não acarrete perdas ao menor", apontou Moura Ribeiro.
No REsp 1.878.651, sob relatoria do ministro, a Terceira Turma considerou válida a cláusula do regulamento de programa de fidelidade gratuito que impede a transferência de pontos do titular falecido aos sucessores. Ao julgar o REsp 1.994.563, o colegiado entendeu que a empresa de turismo vendedora de passagem aérea não responde solidariamente pelos danos morais sofridos pelo passageiro no extravio de bagagem, pois sua atuação se esgotou na venda do bilhete.
Outros precedentes recentes de relatoria de Moura Ribeiro dizem respeito à possibilidade de início do processo de colocação da criança em família substituta antes do término da ação de destituição do poder familiar e à suspensão de habilitação do crédito na recuperação judicial até que se decida sobre sua existência e seu valor em juízo arbitral (REsp 1.774.649).
Em junho deste ano, o ministro foi o relator do REsp 2.018.788, em que se discutiu a responsabilidade civil da empresa gerenciadora de aplicativo de transporte em caso de assalto cometido pelo passageiro contra o motorista. Acompanhando o relator, o colegiado não reconheceu nexo de causalidade capaz de impor à empresa o dever de indenizar.
A paulistana Regina Helena Costa é mestre e doutora em direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde também atua como livre-docente. Autora celebrada no campo do direito tributário, a ministra, em 2021, lançou a 13ª edição de seu Curso de Direito Tributário e publicou o livro Código Tributário Nacional Comentado em Sua Moldura Constitucional.
Foi também na forma de livro que a comunidade jurídica prestou sua homenagem a Regina Helena Costa pelos dez anos de atuação no STJ, com o lançamento, no último dia 23, de uma coletânea de 41 artigos sobre temas atuais do direito tributário e de outras áreas do direito público, assinados por 63 autores.
Além das decisões comentadas no livro, a ministra, neste último ano, relatou julgamentos de grande relevância, a exemplo do Tema 1.136 dos recursos repetitivos. Na ocasião, a Primeira Seção decidiu que é legal a fixação, em ato normativo infralegal, de prazo máximo para o trabalhador formal requerer o seguro-desemprego.
Em seu voto, a relatora ponderou que "a fixação, por ato normativo infralegal, de prazo máximo para o trabalhador formal requerer o seguro-desemprego não extrapola os limites da outorga legislativa, sendo consentânea com a razoabilidade e a proporcionalidade, considerando a necessidade de se garantir a efetividade do benefício e prevenir – ou dificultar – fraudes contra o programa, bem como assegurar a gestão eficiente dos recursos públicos".
Em abril, a ministra foi autora do voto vencedor no REsp 2.010.366, no qual a Primeira Turma definiu que a substituição tributária do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS-ST) constitui parte integrante do custo de aquisição da mercadoria e, por consequência, deve ser deduzido da base de cálculo da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), no regime não cumulativo.
Regina Helena Costa também relatou o REsp 1.896.515, em que a Primeira Turma estabeleceu que o crédito inscrito em precatório oriundo de ação previdenciária pode ser objeto de cessão a terceiros.
"Conquanto o princípio da intangibilidade das prestações da Previdência Social, estampado no artigo 114 da Lei 8.213/1991, vede a cessão dos benefícios per se, obstando, por conseguinte, a alienação ou transmissão irrestrita de direitos personalíssimos e indisponíveis, ao titular de crédito inscrito em precatório, inclusive o oriundo de ação previdenciária, faculta-se a transferência creditícia do título representativo a terceiros, porquanto direito patrimonial disponível passível de livre negociação", declarou.
Natural de Juiz de Fora (MG), Rogerio Schietti Cruz é formado em direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília. Possui mestrado e doutorado em direito processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, além de especialização na mesma área pela Universidade La Sapienza, de Roma.
Em
2021, seguindo o voto de Rogerio Schietti no HC 598.051, a Sexta Turma decidiu que cabe
ao Estado provar que houve consentimento do morador para o ingresso da polícia
em sua residência sem mandado judicial. Nessas hipóteses, os policiais
devem obter uma declaração assinada, se possível com indicação de testemunhas,
e a operação deve ser registrada em vídeo, para se afastar qualquer dúvida
sobre a legalidade da ação e a voluntariedade do consentimento.
Em maio de 2022, julgando o HC 663.688, o ministro absolveu um homem condenado pelo crime de roubo em razão de ter sido identificado pela vítima três meses após o crime, apenas por meio de um retrato falado. Segundo o ministro, a partir do julgamento do HC 598.886, o STJ deu nova interpretação ao artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP) para estabelecer que o dispositivo não traz meras recomendações para o reconhecimento de pessoas, mas sim uma regra cuja inobservância invalida o procedimento.
Nesse mesmo sentido, em junho de 2022, a Sexta Turma realizou uma sessão – classificada como "histórica" por operadores do direito presentes – que foi marcada por posições críticas sobre os procedimentos adotados por instituições do sistema de segurança pública e da Justiça em relação às diligências investigativas.
O colegiado analisou três ##habeas corpus## de relatoria do ministro Schietti, os quais tratavam de reconhecimento de suspeitos sem observância do artigo 226 do CPP. Em todos os casos, foram anulados os procedimentos de reconhecimento, com pareceres favoráveis do Ministério Público Federal.
Em abril de 2022, Schietti relatou o RHC 158.580, no qual a Sexta Turma considerou ilegal a busca pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia sobre aparência ou atitude suspeita do indivíduo. O colegiado trancou a ação penal contra um réu acusado de tráfico de drogas em razão de a abordagem policial ter sido baseada na "atitude suspeita" do acusado, sem que tenha sido apresentada nenhuma outra justificativa para o procedimento.
Em agosto do mesmo ano, o ministro relatou o REsp 1.977.119, no qual a Sexta Turma reforçou o entendimento de que a guarda municipal não pode exercer atribuições das polícias civis e militares, por ter sua atuação limitada à proteção dos bens, serviços e instalações municipais, nos termos do artigo 144, parágrafo 8º, da Constituição.
No caso julgado, foram declaradas ilícitas as provas colhidas em busca pessoal feita por guardas municipais durante patrulhamento rotineiro, em circunstâncias não relacionadas à proteção do patrimônio municipal. De acordo com a turma, quando a situação não envolve risco aos bens do município, a guarda municipal pode fazer abordagens e realizar prisões se houver flagrante delito.
O relator ponderou que isso não significa que a guarda municipal não esteja inserida no sistema de segurança pública. Segundo ele, embora os guardas municipais não sejam equiparáveis a policiais, devem ser considerados "agentes públicos com atribuição sui generis de segurança": mesmo não figurando na lista de órgãos de segurança do artigo 144 da Constituição, são mencionados no parágrafo 8º desse dispositivo, dentro do capítulo que trata da segurança pública em sentido amplo.
Schietti afirmou que esse entendimento "se coaduna com a inserção das guardas municipais no artigo 9º da Lei 13.675/2018, responsável por estabelecer o Sistema Único de Segurança Pública, com a ressalva de que devem se ater aos limites de suas competências".