Criado em 1966, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) tem por objetivo principal assegurar ao trabalhador uma indenização no caso de demissão sem justa causa. O fundo é formado, principalmente, pelos depósitos feitos pelos empregadores em nome dos trabalhadores.
Apesar de sua função básica de proteger o cidadão em situação de desemprego involuntário, a legislação, ao longo do tempo, flexibilizou as regras sobre utilização dos recursos do FGTS, tornando possível, por exemplo, o uso do saldo para compra de imóvel ou até o saque de parte do fundo no mês de aniversário do trabalhador (o conhecido saque-aniversário do FGTS).
Essa flexibilidade, contudo, não se estende à penhora dos recursos do FGTS para o pagamento de dívidas, tendo em vista que esse tipo de crédito tem natureza salarial. Essa restrição à penhora está expressa no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990, o qual estabelece que as contas vinculadas em nome dos trabalhadores são absolutamente impenhoráveis.
O atributo da impenhorabilidade não impediu, porém, que discussões sobre a constrição de recursos do FGTS chegassem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialmente em casos nos quais a dívida cobrada – da mesma forma que o FGTS – tinha natureza alimentar.
Nesse sentido, o STJ já estabeleceu que não é possível a penhora do saldo do FGTS para pagamento de honorários de sucumbência ou de qualquer outro tipo de honorário. O entendimento foi fixado pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.619.868.
O caso teve início na execução de honorários de sucumbência contra uma empresa cuja personalidade jurídica foi desconsiderada, passando os sócios a integrar o polo passivo da demanda. Requerido o bloqueio de dinheiro em conta, somente foi encontrada a quantia de R$ 800, restando em aberto o valor de R$ 4.633,77. Diante disso, houve o requerimento de penhora sobre o saldo de FGTS dos executados, o qual foi negado pelas instâncias ordinárias.
Ao STJ, os credores alegaram que a regra da impenhorabilidade de salários, vencimentos e remunerações é afastada na hipótese de pagamento de verba de natureza alimentar, como é o caso dos honorários de sucumbência, incidindo a exceção do parágrafo 2º do artigo 649 do Código de Processo Civil de 1973.
O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que as hipóteses de levantamento do saldo do FGTS estão elencadas na Lei 8.036/1990, e esse rol não é taxativo. O ministro lembrou que o STJ já possibilitou o saque nos casos de comprometimento de direito fundamental do titular do fundo, como nas hipóteses de doença grave.
Contudo, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, e considerando a necessidade de subsistência do alimentando, o tribunal permite a penhora de conta vinculada do FGTS e do PIS nas ações de execução de alimentos. O entendimento foi adotado pela Segunda Turma ao negar recurso em que a Caixa Econômica Federal argumentava pela impenhorabilidade desses valores (o processo tramitou em segredo judicial).
No caso, a penhora das contas foi feita após a realização de inúmeras outras tentativas de obtenção de bens para garantir o pagamento da pensão alimentícia. Segundo a relatora do caso, ministra Eliana Calmon (aposentada), a Constituição Federal elencou a dívida de alimentos como a única (ao lado da prisão do depositário infiel) forma de prisão civil por dívida, "de modo que os alimentos são bens especiais para nossa Constituição e devem ser satisfeitos sem restrições de ordem infraconstitucional" (a prisão do depositário infiel foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal).
A ministra também ponderou que essa medida é menos drástica do ponto de vista da proporcionalidade, pois, a um só tempo, evita a prisão do devedor e satisfaz, ainda que momentaneamente, a prestação dos alimentos, assegurando a sobrevivência dos dependentes do trabalhador.
No mesmo sentido, devido a sua natureza alimentícia, também é possível a constrição de valores do FGTS para pagamento de pensão vitalícia por morte. Esse foi o entendimento adotado pela Quarta Turma no julgamento do REsp 1.816.340.
De acordo com o relator, ministro Marco Buzzi, a jurisprudência do STJ é no sentido de que a exceção à regra da impenhorabilidade engloba tanto a pensão alimentícia decorrente de relação familiar quanto a oriunda de ato ilícito.
No caso em discussão, a Justiça determinou o pagamento da pensão aos filhos de um homem que morreu devido a negligência médica.
Ainda que o valor seja proveniente de conta vinculada do FGTS, é possível a penhora do saldo em conta de investimento. No julgamento do REsp 2.021.651, a Quinta Turma aplicou o entendimento de que a transferência dos créditos do FGTS para conta de investimento do trabalhador desautoriza a aplicação da regra da impenhorabilidade prevista no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990.
Segundo a defesa de um homem condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, todo o valor depositado na conta particular era proveniente do FGTS. Dessa forma, argumentou que a penhora de verbas de natureza alimentar, bem como de valores decorrentes de FGTS, depositadas nessa conta, somente poderia ser feita nos casos de execução de alimentos.
O relator do caso, desembargador convocado João Batista Moreira, explicou que, enquanto não ocorrer o saque, a impenhorabilidade absoluta prevista no parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 8.036/90 tem por escopo assegurar a aplicação dos recursos do FGTS nos termos do parágrafo 2º do artigo 9º da mesma lei, ou seja, em prol da coletividade.
Uma vez feita a movimentação financeira, disse, passa a incidir o disposto no artigo 833, X, do Código de Processo Civil de 2015 como regramento sobre impenhorabilidade do saldo na outra conta. Assim, somente é impenhorável o montante de até 40 salários-mínimos.
Para o relator, ainda que se admitisse, no caso, que o saldo em questão fosse equiparado a "verba alimentar" ou "recurso do trabalhador", não incidira a impenhorabilidade absoluta, uma vez que a Corte Especial, ao julgar o EREsp 187.422, já relativizou a regra para pagamento de dívida não alimentar.