Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados Unidos e África do Sul não representa apenas a oportunidade de debater, com diferentes países, um dos temas mais importantes para a sociedade contemporânea. O momento é especial também porque, pela primeira vez, o tribunal realiza um evento internacional para discutir a questão racial em uma perspectiva de direito comparado.
Ainda que tão distantes geograficamente, as nações chamadas a participar do simpósio trazem em sua história a mesma marca da luta racial. Nos Estados Unidos, essa luta atravessa a escravidão e explode no movimento por direitos civis dos anos 1950 e 1960 – inclusive em suas versões atuais, como o Black Lives Matter. Na África do Sul, o regime do Apartheid (1948-1994) deixou sequelas que ainda se expressam em manifestações racistas numa sociedade de ampla maioria negra. No Brasil, as cicatrizes não ficaram apenas no corpo dos escravos açoitados – elas vivem na alma dos que ainda hoje buscam igualdade efetiva de direitos e a superação definitiva do preconceito.
Nos Estados Unidos, Martin Luther King; na África do Sul, Nelson Mandela; no Brasil, Zumbi dos Palmares. Semelhanças e diferenças entre os países no enfrentamento das questões raciais estarão presentes nos dois dias de evento, marcado para 4 e 5 de dezembro, no auditório externo do STJ.
Segundo um dos participantes do simpósio, o juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, secretário-geral do Conselho da Justiça Federal (CJF), ainda constrange o mundo o regime de segregação que perdurou na África do Sul por quase cinco décadas, e continuam a gerar debates as prisões seletivas nos EUA, país em que os negros são quase cinco vezes mais encarcerados em prisões estaduais do que os brancos.
"No Brasil, nos enchem de vergonha o racismo ambiental, interseccional, obstétrico, algorítmico, recreativo, entre outras formas de desprezo ao povo negro. Precisamos falar disso, e o simpósio será um bom momento, um encontro necessário", resume o juiz.
De acordo com o juiz Joacy Dias Furtado – que atua na Presidência do STJ –, o evento é relevante para reafirmar o compromisso do Brasil com um dos objetivos fundamentais definidos na Constituição Federal: promover o bem de todos, sem preconceitos de raça, cor e outras formas de discriminação.
"O evento, aliado à I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial, traz enorme contribuição para maior reflexão e consequente tomada de posição diferenciada quanto à necessidade de assegurar condições de equidade racial na realidade brasileira, tudo cotejado com as experiências que serão trazidas por representantes dos Estados Unidos e da África do Sul", aponta o juiz.
Em sentido semelhante, a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Maria da Purificação da Silva comenta que os países envolvidos no simpósio se destacam internacionalmente nas pautas raciais. Como representante do Poder Judiciário brasileiro, a magistrada também enxerga no evento uma forma de se apresentar à sociedade para demonstrar a responsabilidade e a preocupação das instituições com a implementação efetiva da equidade racial.
"Precisamos promover ações, construir práticas contínuas, incentivar e proporcionar a interação entre os integrantes da Justiça em relação às questões raciais", enfatizou a desembargadora.
No mesmo dia da abertura do simpósio, será realizada a I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial – uma parceria entre o CJF e o STJ. Segundo o juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos, mais de 50 enunciados devem ser debatidos por magistrados e estudiosos do tema.
"Esses enunciados virão marcados pela diversidade temática, com abordagem em relação às relações de trabalho, ao patrimônio imaterial das religiões de matriz africana, às diversas formas de racismo, às cotas raciais, entre outros assuntos", aponta o juiz.
Já na programação do simpósio, um dos temas de destaque é o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, esforço capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os órgãos judiciários de todo o país adotem iniciativas voltadas para o combate às desigualdades raciais.
Segundo o juiz Joacy Furtado, o simpósio contribuirá para dar efetividade ao pacto, ao discutir e repercutir as ações afirmativas, compensatórias e reparatórias que podem ser adotadas pelo Judiciário para eliminação do racismo estrutural.
"O Pacto Nacional impacta o Sistema de Justiça brasileiro ao impor uma mudança de paradigma, pois tem a finalidade evidente de fortalecer a cultura da equidade racial no Poder Judiciário, operacionalizando medidas eficazes que viabilizem condições de igualdade aos grupos raciais excluídos historicamente", resume o magistrado.
Uma das ações previstas pelo pacto é o Prêmio de Equidade Racial, que busca reconhecer as boas práticas promovidas pelos tribunais. A desembargadora Maria da Purificação da Silva lembra que o TJBA foi um dos vencedores da primeira edição do prêmio, o que, na sua opinião, "demonstra a preocupação em estarmos engajados na política de equidade racial e na disseminação do tema entre os nossos juízes e servidores".