Ao analisar o Tema 1.098 dos recursos repetitivos, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou, por unanimidade, quatro teses sobre a possibilidade de aplicação do artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP), que disciplinou o acordo de não persecução penal (ANPP), nos casos anteriores à edição do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), que o introduziu.
Na primeira tese, ficou definido que o ANPP constitui um negócio jurídico processual penal instituído por norma que, de um lado, possui natureza processual no que diz respeito à possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal, e, de outro lado, natureza material em razão da previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos no acordo (artigo 28-A, parágrafo 13, do CPP).
A segunda estabelece que, diante da natureza híbrida da norma, deve se aplicar a ela o princípio da retroatividade da norma penal benéfica (artigo 5º, XL, da Constituição), pelo que é cabível a celebração de ANPP nos processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado da condenação.
A terceira diz que, nos processos penais em andamento em 18 de setembro de 2024 (data do julgamento do HC 185.913 pelo Supremo Tribunal Federal – STF), nos quais seria cabível em tese o ANPP, mas ele não chegou a ser oferecido pelo Ministério Público ou não houve justificativa idônea para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo no caso concreto.
Por fim, a quarta tese prevê que, nas investigações ou ações penais iniciadas a partir de 18 de setembro de 2024, será admissível a celebração de ANPP antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura do acordo no curso da ação penal, se for o caso.
O relator do tema ##repetitivo##, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, esclareceu que a Terceira Seção vinha consolidando o entendimento de que o ANPP correspondia a um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, mediante o cumprimento de condições específicas e de requisitos legais.
Segundo a jurisprudência do STJ, o ANPP se aplicava aos fatos anteriores à Lei 13.964/2019, desde que a denúncia ainda não tivesse sido recebida. Sua aplicação após o recebimento da denúncia era ressalvada nos casos em que houvesse mudança do enquadramento legal da conduta.
Contudo, com o julgamento do HC 185.913 pelo STF, em 18 de setembro de 2024, abriu-se a possibilidade de aplicação retroativa do artigo 28-A do CPP aos casos sem trânsito em julgado da sentença condenatória. O STF entendeu que, embora o ANPP seja um negócio jurídico processual penal, ele apresenta conteúdo de direito material devido às suas consequências legais.
A partir da compreensão do STF, o relator observou que, por ser uma norma processual com conteúdo material, o ANPP deve obedecer à regra intertemporal de direito penal material, que autoriza a incidência retroativa do benefício aos processos ainda em andamento desde a entrada em vigor da Lei 13.964/2019, contanto que não tenha havido condenação definitiva.
Com isso, Reynaldo Soares da Fonseca concluiu que o STJ deve ajustar seu entendimento à decisão do STF, alinhando-se à interpretação majoritária de que o artigo 28-A do CPP pode ser aplicado retroativamente.