Órgãos de direito privado julgaram casos de destaque sobre família, planos de saúde e direito real de habitação
15/12/2024 07:00
 
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13/12/2024 17:20

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Nos colegiados especializados em direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ano de 2024 foi marcado por decisões importantes em assuntos como partilha de bens, alimentos, direito real de habitação, prescrição de dívida e honorários advocatícios. Julgamentos referentes às operadoras de planos de saúde – que já estiveram em destaque no ano anterior – se mantiveram em evidência.

Entre os casos recentes com maior repercussão, destaca-se a decisão da Terceira Turma que reconheceu, em outubro, a presunção de maternidade da mãe não biológica de uma criança gerada por inseminação artificial heteróloga, no curso de união estável homoafetiva. Para o colegiado, é um direito das duas mães terem seus nomes no registro de nascimento da filha.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a falta de disciplina legal, no âmbito de uma união homoafetiva, para o registro de criança gerada por inseminação heteróloga caseira – ou seja, com a utilização de sêmen doado por um terceiro – não pode impedir a proteção do Estado aos direitos da criança.

No mesmo mês, a turma julgadora entendeu que o sigilo sobre o nascimento e a entrega voluntária da criança para adoção – um direito garantido à genitora pela Lei 13.509/2017, que inseriu o artigo 19-A no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – pode ser aplicado também em relação ao suposto pai e à família extensa do recém-nascido.

Nesse caso, sob relatoria do ministro Moura Ribeiro, o colegiado avaliou que o direito da mãe biológica ao sigilo é fundamental para garantir sua segurança desde o pré-natal até o parto, protegendo o recém-nascido e assegurando o respeito à vida e à convivência familiar afetiva.

Novos entendimentos sobre prisão civil por dívida alimentar

Ao longo do ano, o tribunal fixou entendimentos sobre a prisão civil por falta de pagamento de pensão alimentícia. Em abril, a Quarta Turma decidiu que, ao ordenar a prisão do devedor, o juízo deve definir – de forma individualizada, razoável e proporcional – a duração da medida coercitiva. Segundo o colegiado, essa fundamentação evita que o período de restrição da liberdade seja fixado de maneira indiscriminada.

"Não se pode admitir que uma decisão superficial e imotivada, com a mera escolha discricionária do magistrado, venha a definir o tempo de restrição de liberdade de qualquer pessoa, sob pena de se incorrer em abuso do direito e arbítrio do magistrado, impedindo a ampla defesa e o contraditório pelo devedor, além de inviabilizar o controle das instâncias superiores pelas vias recursais adequadas", afirmou o relator, ministro Raul Araújo.

No mês anterior, a Terceira Turma havia entendido que a prisão civil pode ser cassada quando não for medida mais eficaz para obrigar o devedor de pensão alimentícia a pagar o débito. Com isso, o colegiado concedeu habeas corpus para cassar a prisão civil de um homem que não pagava a pensão de sua filha desde 2015, mas demonstrou que ela já tinha condições de se sustentar.

O ministro Moura Ribeiro, relator, observou que a prisão se mostrou ineficaz, pois, ao contrário do que ocorre com menores de idade e incapazes – para os quais há uma presunção absoluta de incapacidade de prover o próprio sustento –, a autora da ação já tinha 26 anos e trabalhava, não sendo razoável manter a prisão de seu pai se não havia risco alimentar.

Direito real de habitação e partilha de bens anteriores à lei da união estável

Um dos julgados mais buscados pelos usuários do portal do STJ também foi proferido pela Terceira Turma, em agosto. O colegiado estabeleceu que o direito real de habitação não pode ser exercido por ex-cônjuge na hipótese de divórcio. Isso porque o instituto tem natureza exclusivamente sucessória, e sua aplicação se restringe às disposições legais.

Com esse entendimento, a turma negou provimento ao recurso no qual uma mulher pleiteou a aplicação, por analogia, do direito real de habitação em imóvel no qual residia com a filha e que tinha servido de residência à família na época do matrimônio.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, esse instituto não se aplica ao divórcio, pois sua finalidade é preservar o direito de moradia ao cônjuge sobrevivente, nos casos em que o imóvel seja a única propriedade residencial da herança.

A ministra também foi relatora do recurso no qual o colegiado considerou possível a partilha do patrimônio acumulado antes do período de convivência em união estável, desde que seja provado o esforço comum para a sua aquisição.

O casal que discutia a partilha de bens manteve relacionamento desde 1978 e viveu em união estável a partir de 2012. As duas propriedades em disputa foram adquiridas nos anos de 1985 e 1986 – antes da entrada em vigor da Lei 9.278/1996, que estabeleceu a presunção absoluta de que o patrimônio adquirido durante a união estável é resultado do esforço comum dos conviventes.

##Repetitivos##: prescrição da petição de herança e demora na fila do banco

Nos julgamentos sob o rito dos recursos repetitivos, a Segunda Seção entendeu, em maio, que o prazo prescricional para propor a ação de petição de herança começa a correr na abertura da sucessão e não é suspenso ou interrompido pelo ajuizamento de ação de reconhecimento de paternidade, independentemente do seu trânsito em julgado (Tema 1.200).

O relator dos repetitivos, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que a questão já foi alvo de divergência no STJ, mas, desde 2022, a seção pacificou a questão ao decidir que a contagem do prazo deve ser iniciada na abertura da sucessão, aplicando-se a vertente objetiva do princípio da ##actio nata##, que é a regra no ordenamento jurídico brasileiro.

Em abril, o colegiado definiu que o simples descumprimento do prazo fixado em legislação específica para a prestação de serviço bancário não gera dano moral presumido (in re ipsa).

"Não se nega a possibilidade de abuso de direito (artigo 186 do Código Civil de 2002) na prestação do serviço bancário, o qual deve ser analisado a partir das circunstâncias fáticas concretas, não bastando a simples alegação de que existe lei municipal estabelecendo tempo máximo de espera em fila de banco, tendo em vista a necessidade de verificação da existência de dano efetivo para a concessão de indenização", afirmou o relator do Tema 1.156, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Cobertura de plano de saúde para tratamento e acesso a medicações

Dois julgados sobre planos de saúde se destacaram em junho. Em um deles, a Terceira Turma estipulou que as operadoras não são obrigadas a cobrir sessões de psicopedagogia para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) realizadas em ambiente escolar ou domiciliar. Sob a relatoria de Nancy Andrighi, o colegiado avaliou que a psicopedagogia só se enquadra no conceito de serviço de assistência à saúde quando realizada em ambiente clínico e conduzida por profissionais de saúde.

No outro processo, também de relatoria da ministra, a Terceira Turma decidiu que a operadora é obrigada a cobrir medicamento de uso domiciliar incluído no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) durante a tramitação do processo judicial que pede seu fornecimento.

Segundo ela, a Resolução Normativa 536/2022 da ANS, publicada em 6 de maio de 2022, alterou o anexo II da Resolução Normativa 465/2022, incluindo a previsão de cobertura obrigatória do medicamento em discussão para o tratamento de psoríase. Até a data da publicação, os planos de saúde estavam autorizados a negar a cobertura do medicamento de uso domiciliar, salvo se houvesse previsão contratual em sentido contrário. A relatora alertou, contudo, que não é possível aplicar retroativamente a nova resolução.

Em novembro, a ministra foi relatora de mais um caso referente aos planos de saúde. A Terceira Turma decidiu que as operadoras devem cobrir o fornecimento de bomba de insulina para os beneficiários diagnosticados com diabetes tipo 1 quando devidamente comprovada a necessidade do equipamento.

Desconsideração da personalidade jurídica e extensão da falência

No mês de setembro, a Quarta Turma entendeu que, para haver a desconsideração da personalidade jurídica e a extensão da falência, é preciso que seja demonstrado de que forma foram transferidos recursos de uma empresa para outra, ou comprovar abuso ou desvio da finalidade da empresa em relação à qual se pede a desconsideração, a partir de fatos concretamente ocorridos em detrimento da pessoa jurídica prejudicada.

"O tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. Igualmente não é relevante para tal finalidade perquirir se as empresas recorrentes agiram com a intenção de ajudar a falida ou com o objetivo de lucro", avaliou a ministra Isabel Gallotti, relatora do processo.

Segundo a ministra, a extensão da responsabilidade pelas obrigações da falida às empresas que nela fizeram investimentos dependeria de "eventual concentração de prejuízos e endividamento exclusivo em apenas uma, ou algumas, das empresas participantes falidas" – o que não foi comprovado pela perícia no caso em julgamento.

Dívida prescrita não admite cobrança extrajudicial

Ao dar parcial provimento ao recurso especial de um devedor, em maio, a Terceira Turma decidiu que não é possível a cobrança extrajudicial de dívida prescrita. Por outro lado, considerou que essa prescrição não impõe a retirada do devedor da plataforma Serasa Limpa Nome.

Na origem do caso, foi ajuizada ação declaratória de inexigibilidade de dívida em razão da sua prescrição, juntamente com um pedido para que o credor retirasse o nome do autor do cadastro da Serasa Limpa Nome.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou decisões recentes apontando que a paralisação da pretensão, em razão da prescrição da dívida, impede a sua cobrança. Segundo ela, diante do reconhecimento da prescrição da pretensão, não há como haver a cobrança, nem judicial nem extrajudicial. Por outro lado, a ministra entendeu que a plataforma Serasa Limpa Nome preserva a liberdade do devedor, que pode optar por acessar o sistema e celebrar acordos de maneira facilitada para quitar seus débitos. 

Vedação à penhora de FGTS e aposentadoria para pagar honorários

As duas turmas de direito privado debateram os limites à penhora para o pagamento de honorários advocatícios. Em setembro, a Quarta Turma definiu que o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não pode ser bloqueado para o pagamento de créditos relacionados a honorários, sejam contratuais ou sucumbenciais, em razão da impenhorabilidade absoluta prevista no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990.

O relator do recurso especial, ministro Antonio Carlos Ferreira, explicou que os honorários advocatícios, embora reconhecidos como créditos de natureza alimentar, não têm o mesmo grau de urgência e essencialidade que os créditos alimentícios tradicionais, o que justifica o tratamento diferenciado.

No mês seguinte, a Terceira Turma, sob a relatoria de Nancy Andrighi, entendeu que a aposentadoria não pode ser penhorada para pagar advogado que atuou em processo contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Ajuste de indenização na tragédia de Brumadinho a valores do TAC

Em abril, a ministra foi relatora do recurso no qual a Terceira Turma estabeleceu em R$ 150 mil a indenização por danos morais para cada um dos irmãos de uma pessoa que morreu devido ao rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG)

Na decisão, que observou os valores definidos no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a mineradora Vale S/A, a Defensoria Pública e o Ministério Público de Minas Gerais, o colegiado também considerou as indenizações fixadas pelo próprio STJ em casos parecidos.

Prazo para pedido principal após efetivação da tutela cautelar

Entre as matérias de direito privado julgadas pela Corte Especial, destaca-se o entendimento firmado em abril de que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal, após a efetivação da tutela cautelar antecedente (artigo 308 do CPC), tem natureza processual e, portanto, deve ser contado em dias úteis, nos termos do artigo 219 do CPC.

Sob relatoria do ministro Sebastião Reis Junior, o colegiado pacificou posições divergentes entre a Terceira Turma (que entendia que o prazo seria processual e contado em dias úteis) e a Primeira Turma (segundo a qual o prazo seria decadencial e contado em dias corridos).