Teses sobre ICMS e cannabis medicinal marcaram a pauta dos colegiados de direito público
15/12/2024 06:55
 
15/12/2024 06:55
13/12/2024 17:00

...

Julgamentos de grande repercussão, sobretudo em matéria tributária, foram destaque nos colegiados especializados em direito público ao longo de 2024. O julgamento sobre cultivo de Cannabis sativa para uso medicinal por empresas, em novembro, também mobilizou diversos setores da sociedade e da comunidade jurídica. Outros temas marcantes foram a aplicação de penalidade por improbidade administrativa a agentes públicos e particulares, a incidência de contribuição previdenciária patronal e a indenização devida às vítimas da tragédia de Mariana (MG).

Em março, a Primeira Seção definiu, por unanimidade, que devem ser incluídas na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de energia elétrica a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), nas situações em que são lançadas na fatura de energia como um encargo a ser pago diretamente pelo consumidor final – seja ele livre (aquele que pode escolher seu próprio fornecedor de energia) ou cativo (os contribuintes que não dispõem de tal escolha).

Para o relator do Tema 986 dos recursos repetitivos, ministro Herman Benjamin, seria incorreto concluir que, com a apuração do efetivo consumo de energia elétrica, não integram o valor da operação (e, portanto, ficam fora da base de cálculo do ICMS) os encargos relacionados às etapas anteriores necessárias ao fornecimento – a transmissão e a distribuição.

O ministro também foi relator do Tema 1.191, que fixou tese sobre restituição de ICMS pago a mais na substituição tributária para a frente. No julgamento realizado em agosto, a Primeira Seção estabeleceu que, nessa sistemática, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN).

Arrematante não responde por dívida tributária anterior do imóvel

Em outubro, o colegiado definiu que, mesmo com previsão no edital, o arrematante não responde por dívida tributária anterior à alienação do imóvel. Como a tese definida no Tema 1.134 alterou a jurisprudência do tribunal, a seção julgadora determinou que ela só valeria para os leilões cujos editais fossem divulgados após a publicação da ata de julgamento do ##repetitivo##, ressalvados os pedidos administrativos e as ações judiciais pendentes de apreciação, para os quais a tese se aplicaria de imediato.

Segundo o relator do ##repetitivo##, ministro Teodoro Silva Santos, ainda que o parágrafo único do artigo 130 do CTN diga que, na alienação em hasta pública, o crédito tributário se sub-roga no preço, tornou-se praxe nos leilões realizados pelo Poder Judiciário a previsão editalícia atribuindo ao arrematante o ônus pela quitação das dívidas fiscais pendentes.

Tese sobre tarifa em condomínios com hidrômetro único foi revista

Ainda sob o rito dos ##repetitivos##, a Primeira Seção revisou, em junho, a tese fixada em 2010 no Tema 414, relativa à forma de cálculo da tarifa de água e esgoto em condomínios com hidrômetro único.

Sob a relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues, foi definido, entre outros entendimentos, que, "nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro, é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa ('tarifa mínima'), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas".

Juros na base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins

Ainda em junho, no tema Tema 1.237, a Primeira Seção definiu que "os valores de juros, calculados pela taxa Selic ou outros índices, recebidos em face de repetição de indébito tributário, na devolução de depósitos judiciais ou nos pagamentos efetuados decorrentes de obrigações contratuais em atraso, por se caracterizarem como receita bruta operacional, estão na base de cálculo das contribuições ao Pis/Pasep e da Cofins cumulativas e, por integrarem o conceito amplo de receita bruta, na base de cálculo das contribuições ao Pis/Pasep e da Cofins não cumulativas".

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, explicou que o STJ já havia pacificado a posição segundo a qual os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais têm natureza remuneratória – são receitas financeiras, bem como os juros moratórios oriundos do pagamento em atraso pelos clientes. Já os juros moratórios incidentes na repetição do indébito tributário, continuou, têm natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa.

Afastado o teto de contribuições parafiscais ao Sistema S

No mês anterior, o colegiado estabeleceu quatro teses relativas às contribuições parafiscais devidas ao Sesi, ao Senai, ao Sesc e ao Senac (Tema 1.079). Por maioria de votos, foi definido que, após o início da vigência do artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 2.318/1986, o recolhimento das contribuições arrecadadas por conta de terceiros não está submetido ao limite máximo de 20 salários mínimos.

A ministra Regina Helena Costa, relatora do ##repetitivo##, explicou que o decreto-lei restabeleceu a paridade de teto entre as contribuições previdenciárias e parafiscais recolhidas em favor do Sistema S. Após essa equiparação, prosseguiu, o normativo revogou expressamente, em seu artigo 3º, o limite máximo para as contribuições previdenciárias no artigo 4º da Lei 6.950/1981, tendo o artigo 1º, inciso I, do DL 2.318/1986 abolido o teto para as contribuições parafiscais.

Tribunal validou cultivo medicinal da cannabis por empresas

Em novembro, a Primeira Seção considerou juridicamente possível a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo e comercialização do cânhamo industrial – variação da Cannabis sativa com teor de tetrahidrocanabinol (THC) inferior a 0,3% – por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e farmacêuticos.

Na decisão, proferida no âmbito de incidente de assunção de competência (IAC 16), foi definido que a autorização deve seguir regulamentação a ser editada, em até seis meses (contados da publicação do acórdão), pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela União, no âmbito de suas competências. 

Relatora do recurso especial analisado pelo colegiado, a ministra Regina Helena Costa citou estudos que indicam a eficácia dos derivados da cannabis no tratamento de diversas doenças. De acordo com a magistrada, cabe especialmente à Anvisa suprir a falta de regulamentação sobre o cultivo do cânhamo e ajustar os normativos que, de maneira equivocada, acabaram impondo restrições não previstas pela Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

Contribuição previdenciária a cargo do empregador em pauta

Entre os meses de junho e agosto, a Primeira Seção fixou dois entendimentos sobre a contribuição previdenciária patronal. No Tema 1.174 dos recursos ##repetitivos##, o colegiado concluiu que os valores correspondentes aos descontos no salário (participação no custeio de vale-transporte, auxílio-alimentação e assistência à saúde, bem como o Imposto de Renda Retido na Fonte e a contribuição previdenciária do empregado) integram a remuneração do trabalhador e, dessa forma, compõem a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal e das contribuições destinadas ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) e a terceiros.

Já no Tema 1.252, a seção de direito público entendeu que "incide a contribuição previdenciária patronal sobre o adicional de insalubridade, em razão da sua natureza remuneratória". Ambos os ##repetitivos## foram de relatoria do ministro Herman Benjamin.

Penhora sobre faturamento de empresa em execução fiscal

O atual presidente do STJ também foi relator do Tema 769, sob o rito dos recursos ##repetitivos##, que definiu diretrizes para a penhora sobre o faturamento de empresa em execução fiscal.

No julgamento realizado em abril, a Primeira Seção decidiu, por exemplo, que a penhora do faturamento pode ocorrer sem o esgotamento de diligências prévias. Ainda segundo o colegiado, ela poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver a constatação, pelo juízo, de que tais bens são de difícil alienação.

"A penhora sobre o faturamento, atualmente, perdeu o atributo da excepcionalidade, pois concedeu-se literalmente à autoridade judicial o poder de – respeitada, em regra, a preferência do dinheiro – desconsiderar a ordem estabelecida no artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC) e permitir a constrição do faturamento empresarial, de acordo com as circunstâncias do caso concreto (que deverão ser objeto de adequada fundamentação do juiz)", detalhou o relator.

Atalho para menores de 18 anos entrarem na faculdade é barrado

Ainda no âmbito da Primeira Seção, o STJ decidiu que o menor de 18 anos não pode se submeter ao exame da Educação de Jovens e Adultos (EJA) para obter o certificado de conclusão do ensino médio e, assim, poder entrar mais cedo no nível superior. Esse atalho vinha sendo utilizado por muitos jovens que conseguiam aprovação no concurso para ingresso na universidade antes da conclusão do ensino médio regular.

"A educação de jovens e adultos tem por finalidade viabilizar o acesso ao ensino a quem não teve possibilidade de ingresso na idade própria e recuperar o tempo perdido, e não antecipar a possibilidade de jovens ingressarem na universidade. O tratamento isonômico, neste caso, manda tratar de forma diferente os que estejam em condições diversas. Por isso, a limitação de idade prevista no artigo 38, parágrafo 1º, II, da Lei 9.394/1996, no meu entendimento, é válida", afirmou o relator do ##repetitivo## (Tema 1.127), ministro Afrânio Vilela.

Punição por improbidade administrativa não admite distinção entre agentes

Em setembro, a Primeira Turma decidiu que as sanções por improbidade administrativa decorrentes de atos que causem prejuízo aos cofres públicos devem ser aplicadas indistintamente a agentes públicos e a particulares.

No caso analisado, o tribunal de segunda instância havia aplicado a pena de suspensão dos direitos políticos apenas aos agentes públicos envolvidos, enquanto a proibição de contratar com o governo foi aplicada apenas ao réu que era empresário. Porém o relator, ministro Gurgel de Faria, avaliou que as mesmas penalidades deveriam ser aplicadas a todos, porque quem não é agente público pode se tornar um no futuro, e quem não é empresário pode passar a sê-lo.

Indenização para vítimas da tragédia de Mariana

A tragédia de Mariana (MG) foi tema de julgamento da Segunda Turma, em maio. Na ocasião, o colegiado anulou o julgamento em que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sob a sistemática do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), fixou indenização por danos morais de R$ 2,3 mil para as vítimas do rompimento da Barragem do Fundão que tiveram problemas com fornecimento de água.

Para os ministros da turma de direito público, o julgamento do IRDR não respeitou os requisitos do CPC para a definição do precedente qualificado – que tem impacto em todos os processos sobre o mesmo assunto –, especialmente devido à falta de participação de representantes das vítimas no julgamento e à adoção do sistema de causa-modelo (no qual há apenas a definição de uma tese, sem a análise do mérito de processos específicos representativos da controvérsia, como ocorre no sistema de causas-piloto).

Valor mínimo penhorado para pagar dívida e reconhecimento ##de ofício##

Ao analisar o Tema 1.235 dos recursos ##repetitivos##, em outubro, a Corte Especial fixou que, se não houver pedido da parte devedora, o juiz não pode decretar a impenhorabilidade de depósitos bancários ou aplicações de até 40 salários mínimos para o pagamento de dívida. Segundo o colegiado, a impenhorabilidade deve ser apontada pela parte executada no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos, ou, ainda, em embargos à execução ou na impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão.

Relatora dos ##repetitivos##, a ministra Nancy Andrighi explicou que o argumento de que a regra da impenhorabilidade seria matéria de ordem pública tinha por base, principalmente, a interpretação literal do artigo 649 do CPC de 1973, que trazia as hipóteses de bens considerados "absolutamente impenhoráveis".

A ministra, entretanto, lembrou que o dispositivo correspondente no CPC/2015 (artigo 833) retirou a expressão "absolutamente". Dessa forma, o STJ passou a entender que o CPC trata a impenhorabilidade como relativa, permitindo que seja atenuada em situações específicas.