Por maioria de votos, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou, nesta quarta-feira (20), a sentença da Itália que condenou o ex-jogador Robson de Souza, conhecido como Robinho, à pena de nove anos de prisão por estupro. Com a homologação, o STJ confirmou a possibilidade de transferência da execução da pena para o Brasil e estabeleceu o regime inicial fechado para cumprimento da condenação.
Considerando que eventuais recursos contra a decisão não possuem efeito suspensivo, a Corte Especial, também por maioria de votos, determinou que a Justiça Federal de Santos (SP) – cidade onde ##mora## o jogador – dê início imediato ao cumprimento da sentença homologada, nos termos do artigo 965 do Código de Processo Civil.
Ao confirmar os efeitos da sentença italiana no Brasil, o colegiado entendeu que a decisão estrangeira cumpriu os requisitos legais para ser homologada, além de concluir que a Lei de Migração (Lei 13.445/2017) possibilitou que o brasileiro nato condenado no exterior cumpra a pena em território nacional.
"A não homologação da sentença estrangeira representaria grave descumprimento dos deveres assumidos internacionalmente pelo Brasil com o governo da República Italiana, além de, indiretamente, deixar de efetivar os direitos fundamentais da vítima", apontou o relator do caso, ministro Francisco Falcão.
O julgamento teve a participação, como amici curiae, da União Brasileira de Mulheres e da Associação Nacional da Advocacia Criminal.
Robinho foi condenado pela Justiça italiana em 2017, com sentença transitada em julgado em janeiro de 2022. Como o jogador voltou ao Brasil antes do término do processo, a Itália requereu ao Brasil a homologação da sentença e a transferência da execução da pena, com base no Tratado de Extradição firmado entre Brasil e Itália (Decreto 863/1993).
Ao STJ, a defesa do atleta alegou não ser possível a homologação porque, entre outros pontos, o tratado de extradição entre Brasil e Itália não teria previsão expressa da transferência de execução de penas. Ainda segundo a defesa, a Lei de Migração – que passou a prever a transferência de execução da pena do exterior para o Brasil – não seria aplicável ao caso, porque a legislação é de 2017, e os fatos contra Robinho remontam a 2013.
O relator do pedido de homologação, ministro Francisco Falcão, ressaltou que, ao analisar a possibilidade de dar efeitos em território nacional à sentença condenatória contra Robinho, não caberia ao STJ atuar como revisor da Justiça italiana, ou seja, o Judiciário brasileiro não poderia realizar um novo julgamento do mérito da ação penal.
Em relação aos requisitos para homologação da sentença exigidos pelo artigo 963 do CPC, o ministro destacou que houve trânsito em julgado da decisão italiana, e que Robinho foi representado por advogado e pôde se defender durante todas as fases do processo. Além disso, Falcão apontou que os mesmos fatos que levaram à condenação do atleta também constituem crime no Brasil.
Analisando o artigo 100 da Lei de Migração, o ministro destacou que a transferência da execução da pena respeita a vedação de extradição de brasileiro nato, mas possibilita que nacionais condenados por crimes no exterior não fiquem impunes.
Para Francisco Falcão, se fosse negada a transferência da execução da pena do jogador, além de existirem implicações às relações diplomáticas entre Brasil e Itália, não seria possível haver novo processo penal em território brasileiro, pois o país proíbe a dupla imputação criminal pelo mesmo fato (princípio do non bis in idem).
Em relação ao argumento da defesa sobre a impossibilidade de retroação do artigo 100 da Lei de Migração pela suposta natureza penal do dispositivo, o ministro Falcão ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que as normas sobre cooperação internacional não têm natureza criminal e, portanto, possuem aplicação imediata, não incidindo sobre elas o princípio da irretroatividade da lei penal.
A respeito do questionamento da defesa sobre supostas falhas na colheita de provas, Francisco Falcão destacou que o STJ não pode avançar sobre o conjunto probatório que foi examinado com profundidade pela Justiça italiana.
Em seu voto, o relator lembrou, ainda, que a conduta criminosa imputada a Robinho foi de estupro coletivo e teve como vítima uma mulher albanesa. Para o ministro, a falta de homologação da sentença da Itália colocaria novamente a vítima – e não o atleta – em posição de violação de direitos humanos.
"Caso não se homologue a transferência de execução de pena, a vítima terá sua dignidade novamente ultrajada, pois o criminoso ficará completamente impune, ante a impossibilidade de deflagração de nova ação penal no Brasil para apurar o mesmo fato. A homologação da transferência de execução da pena, ao efetivar a cooperação internacional, tem o condão de, secundariamente, resguardar os direitos humanos das vítimas. A homologação da sentença não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de efetivação dos direitos fundamentais tanto do condenado como da vítima", concluiu.
Em voto divergente, o ministro Raul Araújo apontou que a análise do pedido de homologação da sentença que condenou Robinho não poderia ter como base eventuais consequências às relações diplomáticas entre Brasil e Itália, pois o papel do Judiciário brasileiro é exatamente examinar se os tratados e entendimentos internacionais são adequados à luz da legislação nacional.
De acordo com o ministro, como a Lei de Migração é de 2017, ela não poderia ser aplicada para homologar a sentença, pois os fatos imputados a Robinho são anteriores à introdução do instituto da transferência do cumprimento da pena para o Brasil.
Ainda que a Lei de Migração fosse aplicável ao caso, Raul Araújo entendeu que a Constituição brasileira veda a extradição de brasileiro nato, de modo que a transferência da execução penal para o Brasil só pode ser imposta ao brasileiro naturalizado, nos casos em que seja possível a extradição.
O julgamento da Corte Especial teve votações distintas em relação à homologação da sentença estrangeira; à fixação, pelo STJ, do regime de cumprimento da pena, e à necessidade de aguardar o trânsito em julgado da homologação para início da execução da condenação. Veja como ficaram os votos em cada uma das votações realizadas durante o julgamento:
1) Votação sobre o pedido de homologação da sentença:
2) Votação sobre a possibilidade de o STJ fixar o regime de cumprimento da pena e pela necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da decisão de homologação para execução da pena: