A morte de um familiar quase sempre deixa questões a serem resolvidas pelos herdeiros e sucessores, cuja habilitação é regulada por um grupo de instrumentos legais – como a Constituição Federal e o Código Civil –, com base nos quais devem ser realizados procedimentos como o inventário e a partilha.
Entretanto, a posição de herdeiro ou sucessor não significa, de modo direto e absoluto, a garantia de que a pessoa possa ingressar com ação ou responder a processo relacionado ao falecido. Nesses casos, a definição sobre a legitimidade processual é comumente estabelecida pelo Judiciário; muitas vezes, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No julgamento do REsp 1.185.907, a Quarta Turma reconheceu a natureza patrimonial do seguro DPVAT e a legitimidade ativa de um herdeiro para requerê-lo após a morte da sua mãe, que ficou com invalidez permanente em decorrência de acidente de trânsito. Ela faleceu alguns anos depois do acidente, por causas distintas, mas sem receber a indenização devida.
O colegiado negou o recurso da seguradora, que argumentou no sentido de que, por se tratar de direito personalíssimo, os sucessores da vítima não teriam legitimidade para ajuizar a cobrança da indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente.
Segundo a relatora, ministra Isabel Gallotti, em caso de morte, no regime da lei vigente na época dos fatos (artigo 4°, caput, da Lei 6.194/1974), os beneficiários da indenização seriam o cônjuge sobrevivente ou, na sua falta, os herdeiros legais. Pela legislação atual, explicou, 50% do montante deve ser destinado ao cônjuge não separado judicialmente, sendo a outra metade dividida entre os herdeiros do segurado (artigo 792 do Código Civil).
No caso em julgamento, a magistrada verificou que o direito à indenização cabia à própria vítima, que não a recebeu em vida. "Assim, a partir do momento em que configurada a invalidez permanente, o direito à indenização securitária passou a integrar o conjunto do patrimônio da vítima do acidente, que, com a sua morte, constitui-se herança a ser transmitida aos sucessores, os quais, portanto, têm legitimidade para propor ação de cobrança dessa quantia", concluiu.
Em dezembro de 2020, a Corte Especial consolidou a orientação de que o direito à indenização por danos morais se transmite com o falecimento do titular, possuindo os herdeiros da vítima legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir com a ação indenizatória (Súmula 642).
Um dos precedentes que deram origem ao enunciado – o REsp 1.040.529, de relatoria da ministra Nancy Andrighi – garantiu aos sucessores de uma idosa o direito de receber R$ 150 mil em danos morais devidos a ela por uma associação cultural.
A idosa, com quase 100 anos, morreu no curso da ação de indenização por danos morais e materiais na qual alegou que a perfuração de poços artesianos e a posterior realização de ensaios de bombeamento de água – obras realizadas pela associação – causaram rachaduras, trincas, fissuras e o rebaixamento do teto do imóvel no qual residia, chegando ao ponto de ser necessária a utilização de escoras para evitar o desabamento da casa.
Os sucessores assumiram o polo ativo da ação, tendo o Tribunal de Justiça do Paraná condenado a instituição ao pagamento de indenização por danos materiais. Com relação aos danos morais, porém, o tribunal estadual entendeu tratar-se de direito personalíssimo, que não seria transmitido aos sucessores.
A ministra Nancy Andrighi lembrou que o STJ entende que o espólio, em ação própria, pode pleitear a reparação dos danos psicológicos suportados pelo falecido. Com mais razão ainda, acrescentou, deve-se admitir aos sucessores o direito de receber a indenização requerida pelo falecido em ação que ele mesmo iniciou.
A partir dos fatos reconhecidos pelo tribunal estadual, a magistrada verificou que os danos estruturais causados pela associação exigiram a desocupação do imóvel onde a idosa havia morado por vários anos.
Segundo a relatora, o tribunal frisou que a mudança gerou danos emocionais, os quais agravaram a sua condição física. "Vê-se, portanto, que a falecida, então com quase 100 anos de idade, foi obrigada a deixar seu lar de longa data, situação que certamente lhe causou sentimentos de angústia, perda, frustração, aflição, incerteza, entre outros, impingindo-lhe um estado emocional que refletiu, inclusive, em sua saúde, já debilitada pela velhice", observou a ministra.
Enquanto estiverem pendentes a abertura do inventário e a realização da partilha, o herdeiro não tem legitimidade para pleitear judicialmente o recebimento de valores relativos à cota social a que supostamente teria direito em razão do falecimento do titular do bem.
O entendimento foi aplicado no julgamento do REsp 1.645.672, no qual a Terceira Turma reconheceu a ilegitimidade de um coerdeiro para propor ação de apuração de haveres para recebimento de valores relativos a cota societária que pertencia ao falecido. Segundo o herdeiro, alguns de seus irmãos já haviam recebido valores referentes às suas participações societárias.
O colegiado acompanhou o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, para quem a legitimidade para a propositura de eventual ação de dissolução empresarial recai sobre o espólio, em virtude do princípio da preservação da entidade empresária e tendo em vista que a substituição do sócio falecido – e, portanto, de sua cota social – não ocorre por mera sucessão hereditária, mas em razão de adesão ao contrato social após a partilha.
De acordo com o magistrado, o herdeiro buscava apenas o recebimento direto dos valores supostamente herdados, independentemente da realização de inventário e partilha. Todavia, o relator ressaltou que a liquidação só pode ser realizada antes da partilha quando houver decisão do espólio – "ou seja, do conjunto de herdeiros, e não de um único herdeiro".
O espólio também tem legitimidade para propor ação que busca a declaração de invalidade de negócio jurídico de doação e que pretende, em última análise, a reversão dos bens ao acervo hereditário. Nessa situação, não é necessário que o pedido de anulação seja feito pelo cônjuge ou herdeiro.
No julgamento do REsp 1.710.406, a Terceira Turma manteve decisão de segunda instância que anulou a doação das cotas societárias do falecido para a concubina. Com o desprovimento do recurso especial da concubina, os bens retornaram à herança.
No recurso, a concubina alegou que a falta de outorga do cônjuge (motivo alegado para anular a doação) caracterizaria hipótese de nulidade relativa, de modo que somente os interessados diretos (cônjuges ou herdeiros) teriam legitimidade para requerer a invalidade do ato.
Segundo o ministro relator do caso, Villas Bôas Cueva, o pedido estava voltado para a reversão dos bens ao acervo hereditário; portanto, foi correta a interpretação do tribunal de origem ao reconhecer a legitimidade do espólio.
"Considerando a amplitude da causa de pedir no caso dos autos, é cristalina a legitimidade do espólio para pleitear a invalidade no negócio jurídico de doação. Acrescenta-se, ainda, que, como cediço, enquanto não perfectibilizada a partilha, o espólio representa os interesses dos herdeiros, de modo que também por esse motivo não há espaço para falar em sua ilegitimidade ativa", afirmou.
No mesmo sentido, o colegiado decidiu que o herdeiro não pode opor embargos de terceiro para contestar penhora em inventário. No julgamento do REsp 1.622.544, os ministros mantiveram decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco que confirmou a extinção, sem resolução de mérito, dos embargos de terceiro opostos por herdeiros contra uma penhora em execução nos autos do inventário de sua genitora.
"Enquanto estiver em tramitação o inventário, e os bens permanecerem na forma indivisa, o herdeiro não detém legitimidade para defender, de forma individual, os bens que compõem o acervo hereditário, sendo essa legitimidade exclusiva do espólio devidamente representado", destacou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.
Segundo a magistrada, os herdeiros são partes ilegítimas para a oposição dos embargos de terceiros. A ministra esclareceu que, com a morte do devedor, a legitimidade passiva do processo de execução precisa ser regularizada, e, nos termos do artigo 43 do Código de Processo Civil de 1973, o espólio deverá integrar o polo passivo para que a execução prossiga.
"Regularizada a representatividade das partes, será o espólio o legitimado para impugnar todos os atos processuais praticados na execução, a partir do momento em que ingressa nos autos", disse ela.
O ministro Marco Aurélio Bellizze foi o relator em um julgamento no qual a Terceira Turma manteve decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina favorável ao prosseguimento de ação de investigação de paternidade após a morte do autor, que foi sucedido pelo herdeiro testamentário.
O autor da ação pleiteava o reconhecimento de seu pai biológico e, por consequência, a anulação da partilha de bens feita entre os irmãos. No decorrer da ação, o autor faleceu, deixando apenas um herdeiro testamentário, que buscou a substituição do polo ativo para prosseguir com o processo.
Ao STJ, os herdeiros que entraram na partilha tentaram reverter a decisão do tribunal estadual, que considerou a substituição processual legítima. Para os recorrentes, a substituição não seria possível, tendo em vista o caráter personalíssimo da ação de investigação de paternidade.
O relator ponderou que, tendo ocorrido o falecimento do autor após o ajuizamento da ação, "não há nenhum óbice a que o herdeiro testamentário ingresse no feito, dando-lhe seguimento, autorizado não apenas pela disposição de última vontade do de cujus quanto à transmissão de seu patrimônio, mas também pelo artigo 1.606 do Código Civil, que permite o prosseguimento da ação de investigação de paternidade pelos herdeiros" (O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial).